Michel Foucault, um crítico da instituição escolar
Por meio de uma análise histórica inovadora, o filósofo francês
viu na educação moderna atitudes de vigilância e adestramento do corpo e da
mente
Poucos pensadores da segunda metade do século
20 alcançaram repercussão tão rápida e ampla quanto o francês Michel
Foucault (1926-1984).
Por ter proposto abordagens inovadoras para entender as instituições e os
sistemas de pensamento, a obra de Foucault tornou-se referência em uma grande
abrangência de campos do conhecimento. Em seus estudos de investigação
histórica, o filósofo tratou diretamente das escolas e das idéias pedagógicas
na Idade Moderna. Além disso, vem inspirando uma grande variedade de pesquisas
sobre educação em diversos países. "Foi Foucault quem pela primeira vez
mostrou que, antes de reproduzir, a escola moderna produziu, e continua
produzindo, um determinado tipo de sociedade", diz Alfredo Veiga-Neto,
professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Em vez de tentar responder ou
discutir as questões filosóficas tradicionais, Foucault desenvolveu critérios
de questionamento e crítica ao modo como elas são encaradas. A primeira
conseqüência desse procedimento é mostrar que categorias como razão, método
científico e até mesmo a noção de homem não são eternas, mas vinculadas a
sistemas circunscritos historicamente. Para ele, não há universalidade nem
unidade nessas categorias e também não existe uma evolução histórica linear. O
peso das circunstâncias não significa, no entanto, que o pensador identificasse
mecanismos que determinam o curso dos fatos e os acontecimentos, como o
positivismo e o marxismo.
Investigando o conceito de homem no qual se sustentavam as ciências naturais e humanas desde o iIuminismo, Foucault observou um discurso em que coexistem o papel de objeto, submetido à ação da natureza, e de sujeito, capaz de apreender o mundo e modificá-lo. Mas o filósofo negou a possibilidade dessa convivência. Segundo ele, há apenas sujeitos, que variam de uma época para outra ou de um lugar para outro, dependendo de suas interações.
Investigando o conceito de homem no qual se sustentavam as ciências naturais e humanas desde o iIuminismo, Foucault observou um discurso em que coexistem o papel de objeto, submetido à ação da natureza, e de sujeito, capaz de apreender o mundo e modificá-lo. Mas o filósofo negou a possibilidade dessa convivência. Segundo ele, há apenas sujeitos, que variam de uma época para outra ou de um lugar para outro, dependendo de suas interações.
Disciplina e
modernidade
Foucault concluiu, no entanto, que a concepção do homem como objeto foi necessária na emergência e manutenção da Idade Moderna, porque dá às instituições a possibilidade de modificar o corpo e a mente. Entre essas instituições se inclui a educação. O conceito definidor da modernidade, segundo o francês, é a disciplina - um instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou domesticar os comportamentos divergentes. Portanto, ao mesmo tempo que o iluminismo consolidou um grande número de instituições de assistência e proteção aos cidadãos - como família, hospitais, prisões e escolas -, também inseriu nelas mecanismos que os controlam e os mantêm na iminência da punição (leia o quadro acima). Esses mecanismos formariam o que Focault chamou de tecnologia política, com poderes de manejar espaço, tempo e registro de informações - tendo como elemento unificador a hierarquia. "As sociedades modernas não são disciplinadas, mas disciplinares: o que não significa que todos nós estejamos igual e irremediavelmente presos às disciplinas", diz Veiga-Neto.
O filósofo não acreditava que a dominação e o poder sejam originários de uma única fonte - como o Estado ou as classes dominantes -, mas que são exercidos em várias direções, cotidianamente, em escala múltipla (um de seus livros se intitula Microfísica do Poder). Esse exercício também não era necessariamente opressor, podendo estar a serviço, por exemplo, da criação. Foucault via na dinâmica entre diversas instituições e idéias uma teia complexa, em que não se pode falar do conhecimento como causa ou efeito de outros fenômenos. Para dar conta dessa complexidade, o pensador criou o conceito de poder-conhecimento. Segundo ele, não há relação de poder que não seja acompanhada da criação de saber e vice-versa. "Com base nesse entendimento, podemos agir produtivamente contra aquilo que não queremos ser e ensaiar novas maneiras de organizar o mundo em que vivemos", explica Veiga-Neto.
Arqueologia do saber
A contestação e a revisão de conceitos operadas por Foucault criaram a necessidade de refazer percursos históricos. Não é sobre os governos e as nações que ele concentra seus estudos, mas sobre os sistemas prisionais, a sexualidade, a loucura, a medicina etc.
Três fases se sucederam em sua obra. A da arqueologia do conhecimento é marcada pela análise dos discursos ao longo do tempo, de acordo com as circunstâncias históricas, em busca de um saber que não foi sistematizado. A genealógica corresponde a um conjunto de investigações das correlações de forças que permitem a emergência de um discurso, com ênfase na passagem do que é interditado para o que se torna legítimo ou tolerado. Finalmente, a fase ética centra o foco nas práticas por meio das quais os seres humanos exercem a dominação e a subjetivação, conceito que corresponde, aproximadamente, a assumir um papel histórico.
Foucault concluiu, no entanto, que a concepção do homem como objeto foi necessária na emergência e manutenção da Idade Moderna, porque dá às instituições a possibilidade de modificar o corpo e a mente. Entre essas instituições se inclui a educação. O conceito definidor da modernidade, segundo o francês, é a disciplina - um instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou domesticar os comportamentos divergentes. Portanto, ao mesmo tempo que o iluminismo consolidou um grande número de instituições de assistência e proteção aos cidadãos - como família, hospitais, prisões e escolas -, também inseriu nelas mecanismos que os controlam e os mantêm na iminência da punição (leia o quadro acima). Esses mecanismos formariam o que Focault chamou de tecnologia política, com poderes de manejar espaço, tempo e registro de informações - tendo como elemento unificador a hierarquia. "As sociedades modernas não são disciplinadas, mas disciplinares: o que não significa que todos nós estejamos igual e irremediavelmente presos às disciplinas", diz Veiga-Neto.
O filósofo não acreditava que a dominação e o poder sejam originários de uma única fonte - como o Estado ou as classes dominantes -, mas que são exercidos em várias direções, cotidianamente, em escala múltipla (um de seus livros se intitula Microfísica do Poder). Esse exercício também não era necessariamente opressor, podendo estar a serviço, por exemplo, da criação. Foucault via na dinâmica entre diversas instituições e idéias uma teia complexa, em que não se pode falar do conhecimento como causa ou efeito de outros fenômenos. Para dar conta dessa complexidade, o pensador criou o conceito de poder-conhecimento. Segundo ele, não há relação de poder que não seja acompanhada da criação de saber e vice-versa. "Com base nesse entendimento, podemos agir produtivamente contra aquilo que não queremos ser e ensaiar novas maneiras de organizar o mundo em que vivemos", explica Veiga-Neto.
Arqueologia do saber
A contestação e a revisão de conceitos operadas por Foucault criaram a necessidade de refazer percursos históricos. Não é sobre os governos e as nações que ele concentra seus estudos, mas sobre os sistemas prisionais, a sexualidade, a loucura, a medicina etc.
Três fases se sucederam em sua obra. A da arqueologia do conhecimento é marcada pela análise dos discursos ao longo do tempo, de acordo com as circunstâncias históricas, em busca de um saber que não foi sistematizado. A genealógica corresponde a um conjunto de investigações das correlações de forças que permitem a emergência de um discurso, com ênfase na passagem do que é interditado para o que se torna legítimo ou tolerado. Finalmente, a fase ética centra o foco nas práticas por meio das quais os seres humanos exercem a dominação e a subjetivação, conceito que corresponde, aproximadamente, a assumir um papel histórico.
A docilização do corpo no espaço e no tempo
Esquema de postura corporal da escola
francesa de Port-Mahon do século 19: triunfo
da disciplina.
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Para Foucault, a escola é uma das "instituições de
seqüestro", como o hospital, o quartel e a prisão. "São aquelas
instituições que retiram compulsoriamente os indivíduos do espaço familiar ou
social mais amplo e os internam, durante um período longo, para moldar suas
condutas, disciplinar seus comportamentos, formatar aquilo que pensam
etc.", diz Alfredo Veiga-Neto. Com o advento da Idade Moderna, tais
instituições deixam de ser lugares de suplício, como castigos corporais, para
se tornarem locais de criação de "corpos dóceis". A docilização do
corpo tem uma vantagem social e política sobre o suplício, porque este
enfraquece ou destrói os recursos vitais. Já a docilização torna os corpos
produtivos. A invenção-síntese desse processo, segundo Foucault, é o panóptico,
idealizado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832): uma construção de
vários compartimentos em forma circular, com uma torre de vigilância no centro.
Embora não tenha sido concretizado imediatamente, o panóptico inspirou o
projeto arquitetônico de inúmeras prisões, fábricas, asilos e escolas. Uma das
muitas "vantagens" apresentadas pelo aparelho para o funcionamento da
disciplina é que as pessoas distribuídas no círculo não têm como ver se há
alguém ou não na torre. Por isso, internalizam a disciplina. Ampliada a situação
para o âmbito social, a disciplina se exerce por meio de redes invisíveis e
acaba ganhando aparência de naturalidade.
Biografia
Michel Foucault nasceu em 1926 em Poitiers, no sul da França, numa rica família de médicos. Aos 20 anos foi estudar psicologia e filosofia na École Normale Superieure, em Paris, período de uma passagem relâmpago pelo Partido Comunista. Obteve o diploma em psicopatologia em 1952, passando a lecionar na Universidade de Lille. Dois anos depois, publicou o primeiro livro, Doença Mental e Personalidade. Em 1961, defendeu na Universidade Sorbonne a tese que deu origem ao livro A História da Loucura. Entre 1963 e 1977, integrou o conselho editorial da revista Critique. Em meados dos anos 1960, sua obra começou a repercutir fora dos círculos acadêmicos. Lecionou entre 1968 e 1969 na Universidade de Vincennes e em seguida assumiu a cadeira de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France, alternando intensas pesquisas com longos períodos no exterior. A partir dos anos 1970, militou no Grupo de Informações sobre Prisões. Entre suas principais obras estão História da Sexualidade e Vigiar e Punir. Foucault morreu de aids, em 1984.
Época fértil para novas idéias
Michel Foucault nasceu em 1926 em Poitiers, no sul da França, numa rica família de médicos. Aos 20 anos foi estudar psicologia e filosofia na École Normale Superieure, em Paris, período de uma passagem relâmpago pelo Partido Comunista. Obteve o diploma em psicopatologia em 1952, passando a lecionar na Universidade de Lille. Dois anos depois, publicou o primeiro livro, Doença Mental e Personalidade. Em 1961, defendeu na Universidade Sorbonne a tese que deu origem ao livro A História da Loucura. Entre 1963 e 1977, integrou o conselho editorial da revista Critique. Em meados dos anos 1960, sua obra começou a repercutir fora dos círculos acadêmicos. Lecionou entre 1968 e 1969 na Universidade de Vincennes e em seguida assumiu a cadeira de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France, alternando intensas pesquisas com longos períodos no exterior. A partir dos anos 1970, militou no Grupo de Informações sobre Prisões. Entre suas principais obras estão História da Sexualidade e Vigiar e Punir. Foucault morreu de aids, em 1984.
Época fértil para novas idéias
Embora Foucault estivesse na Tunísia em maio de 1968, suas idéias estão
profundamente ligadas à revolta estudantil ocorrida nas ruas de Paris naquele
famoso mês. As manifestações antiautoritárias começaram em apoio aos alunos que
haviam tomado a Universidade de Nanterre num protesto contra a reitoria. Esta
reagiu fechando os portões do campus. Em pouco tempo as ruas da capital
francesa estavam lotadas de estudantes, intelectuais e operários, unidos, entre
outros lemas, pela defesa da "imaginação no poder". A movimentação
não teve conseqüências práticas imediatas, mas anunciou diversas mudanças,
principalmente no campo das idéias. Uma delas foi a substituição, na
preferência dos jovens intelectuais, de pensadores ligados ao marxismo e ao
existencialismo por uma geração aparentada com o espírito contestador de
Foucault, liderada por nomes como Roland Barthes (1915-1980) e Gilles Deleuze
(1925-1995). Por deslocar a noção de poder para uma dimensão múltipla e
localizada, Foucault favoreceu um princípio político caro aos partidos
alternativos do fim do século 20: o de que não é preciso revoluções para
modificar a realidade, porque isso é possível de forma gradual no âmbito
cotidiano.
Para pensar
É comum a educação ser encarada como um valor único, invariável e redentor. Mas Foucault a via enredada em seu contexto cultural. Por isso, o ensino que em uma época é considerado a salvação do ser humano, em outra pode ser visto como nocivo. Você já pensou nas implicações políticas e sociais da educação atual, com base em sua experiência? Se sim, você leva em conta as conclusões ao planejar o trabalho em sala de aula?
É comum a educação ser encarada como um valor único, invariável e redentor. Mas Foucault a via enredada em seu contexto cultural. Por isso, o ensino que em uma época é considerado a salvação do ser humano, em outra pode ser visto como nocivo. Você já pensou nas implicações políticas e sociais da educação atual, com base em sua experiência? Se sim, você leva em conta as conclusões ao planejar o trabalho em sala de aula?
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