Fala (violência infatil)

A menina estava na escola, aprendendo a ser o que um dia seria plenamente: ela mesma, maior – e mais sabida. Era tão alegre que até incomodava. Mas a alegria é assim, ruidosa, mesmo se a cultivamos só dentro de nós, nos abafados do coração.

Então, o susto de uma lição nova. Estava sozinha em casa. A mãe, nas compras. O pai chegou. Ela correu, feliz, e se pendurou no pescoço dele. Mas, estranhamente, ele não a soltou. Não. E, depois que o fez, ela se viu como uma boneca quebrada. E aí aprendeu que a dor na memória arde mais do que no corpo.
A mãe não notou a verdade em seu rosto, nem ninguém na escola,em parte por miopia, em parte porque a alegria tem muitos disfarces. Achavam que a menina era a mesma. Só andava menos falante.

Quando o pai chegava em casa sorrindo, ou entre outras pessoas, agia como antes, e ela emudecia. Era o seu avesso: uma menina na calada do dia! E aí aprendeu que o silêncio era o seu medo no último volume.

Ele se repetiu outras vezes nela, esmagando, aos poucos, o que restava de sua incômoda alegria. E já quase sem voz, a menina aprendeu o que era solidão.

Assim estava, tão dolorida, tão sem esperança… quando, de repente, se inflou de coragem – uma coragem que só uma menina triste é capaz de ter. E, então, mostrou a todos que reaprendera a primeira e mais difícil lição. E aprendera a fala. E falou. Tudo.
 

Revista Nova Escola, Encarte Especial, dez. 2007.
Autor: João Anzanello Carrascoza, professor da USP.

2 comentários:

  1. Quanta sensibilidade para descrever a crueza da situação... Algumas pessoas não atentam para o motivo das mudanças nos comportamentos infantis...Acham que é 'coisa de pirralho' e logo passa...Infelizmente a falta da escuta ativa pode contribuir para 'destroçar' muitas crianças :(

    Paula Ugalde

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  2. Marcel Savio Marino - nem verme ele é, Pai então nem sabe o q é isso.

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