ENSINO MERCANTIL E DEMISSÃO EM
MASSA DE PROFESSORES NO ENSINO SUPERIOR PRIVADO
Em busca do lucro, as
instituições modificaram currículos, suprimiram disciplinas e rearranjaram
turmas, tais medidas foram forjadas sob olhar complacente do MEC. Mesmo olhar
que hoje o autoriza, diante das demissões em massa no ensino superior.
Em
dezembro de 2011 publiquei aqui no Le Monde Diplomatique Brasil o artigo “Da
educação mercadoria à educação vazia” apontando o crescimento vertiginoso
do ensino superior privado no Brasil. Naquele momento apontava os riscos
da falta de regulação associada ao lobby dos empresários do setor junto a
parlamentares na formulação de regras favoráveis a seus interesses e denunciava
certo padrão esvaziado de certificação, tanto quanto a progressiva precarização
do trabalho docente. É dezembro de 2017 e muita coisa mudou no campo político,
social e econômico brasileiro e o cenário apontado em 2011 ganhou contornos
mais dramáticos para os trabalhadores e trabalhadoras do setor privado de
ensino superior.
Se,
mesmo antes do referido artigo de 2011, já se desenhava um processo de
oligopolização do setor com entrada de capital estrangeiro e o surgimento de
grandes grupos econômicos de capital aberto, que encetavam um processo de
precarização progressiva do trabalho docente, com as atuais medidas adotadas
pelo governo federal no âmbito da legislação que regulamenta o ensino superior,
o que vemos é uma situação devastadora.
É
certo que os grandes grupos que se constituíram adotam estratégias e práticas
gerenciais nas relações de trabalho que tem como finalidade última o lucro e
não a educação. Por esta razão, parte das instituições que hoje estão
praticando demissões em massa, já adotava recursos no sentido de reformular
currículos para aligeirar cursos, de juntar turmas para reduzir a jornada dos
professores, de utilizar amplamente o EaD. Todas essas práticas levaram as IES
privadas pouco comprometidas com a qualidade do ensino, com a formação
profissional e menos ainda com a ética nas relações de trabalho, a tratarem a
educação como mercadoria e o professor como um “custo”.
A
mercantilização do ensino superior privado no Brasil fez surgir a maior
instituição privada de ensino do mundo, a Kroton, que conta atualmente com mais
de 1 milhão de alunos. Esse crescimento foi fomentado, sobretudo, pelos
programas de subsídio, FIES e ProUni, além de generosas políticas de negociação
de dívidas, como PROIES (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao
Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior). Tais políticas favoreceram
sobremaneira os empresários do setor que diante da possibilidade de aferirem
grande margem de lucro, pretenderam aumentar ainda mais esse percentual. Para
serem exitosos em tal propósito, as instituições modificaram currículos, suprimiram
disciplinas e rearranjaram turmas, tais medidas foram forjadas sob olhar
complacente do MEC. Mesmo olhar que hoje o autoriza, diante das demissões em
massa no ensino superior, a afirmar que as demissões são prerrogativas da
instituição, como se possível fosse, eximir-se da responsabilidade – senão
trabalhista – ao menos educacional.
A
Educação a Distância, inscrita num quadro mais amplo do ensino superior no
Brasil, acentuou ainda mais a precarização do trabalho docente, na medida em
que a legislação sobre a EaD não regulamenta a quantidade de alunos por turma o
que leva um mesmo professor a lecionar para turmas de até 300 alunos e a
suprimir postos de trabalho. Além disso, o recurso tecnológico empregado
possibilita que uma mesma vídeo-aula seja reproduzida indefinidamente ao passo
que o docente que a gravou recebe apenas uma vez pelo conteúdo produzido. Visto
sob essa ótica o avanço da EaD impulsionou as demissões no ensino superior
privado, pois tomada como um processo de inovação tecnológica irrefreável não
suprime a força dos interesses do capital no setor educacional, ao contrário
revela-se como uma parcela promissora de mercado.
Tudo
isso somado à entrada em vigor da Reforma Trabalhista, que desconstrói a CLT,
temos o resultado que ora se apresenta por meio das demissões em massa no
ensino superior. Já se somam a Estácio, paradigma maior da ofensiva empresarial
contra os trabalhadores por demitir 1200 docentes, a Metodista, a Anhembi
Morumbi, a Uniritter e a Ser Educacional, que apenas no município de Guarulhos
anunciou a demissão de 78 professores, além dos 43 demitidos em julho de 2017.
Os
motivos alegados, pelas mantenedoras, para demissão em massa não são homogêneos
e variam entre crise financeira e alteração curricular. Há, contudo, um traço
comum que subjaz os argumentos apresentados: necessidade de modernização (termo
quase sempre empregado como eufemismo de flexibilização) e ajuste ao mercado.
Todos esses argumentos também serviram de base para aprovação da Reforma
Trabalhista.
Assim,
os efeitos da malfadada Reforma Trabalhista tendem a se fazer sentir em pouco
tempo, visto que corroboram o discurso dos empresários do setor que há tempos
advogam a necessidade de flexibilização seja no campo trabalhista, seja na
regulamentação educacional.
Aliás,
a própria noção de flexibilidade, defendida por eles, tem se expressado
na oferta de cursos customizados nos quais os estudantes podem fazer seu
próprio horário, podem estudar em casa, podem ir à faculdade apenas três dias
por semana. Na outra ponta as professoras e os professores se vêem às voltas
com um processo que ultrapassa o sentido da precarização expressa até aqui por
meio da fragilidade de contratos de trabalho, da instabilidade, de mecanismos
concorrenciais que pretendem estabelecer uma competição permanente em defesa do
emprego, de desrespeito e burla às regras das Convenções Coletivas de Trabalho,
mas que tendem a se impor, nesse momento, por um processo selvagem de
intensificação da precarização do trabalho docente que ganha concretude
nas demissões em massa desse ano, na iminente contratação por trabalho
intermitente ou autônomo e diante do imenso perigo representado pela
sobreposição do negociado sobre o legislado.
Portanto,
o alcance da mercantilização do ensino superior potencializada pela Reforma
Trabalhista se materializa no sucateamento das relações de trabalho, no
fechamento de postos e numa educação massificada, porém vazia de significado
socialmente referenciado. As centenas de professores e professoras demitidos
nesse final de 2017 representam o prenúncio do que a classe trabalhadora pode
esperar de um estado e de uma educação submetidos aos interesses do capital,
interesses esses homologados por poderes usurpados em um golpe.
Andrea
L. Harada Sousa, professora da rede privada, doutoranda do Programa de
Pós-gradução em Educação da Unicamp, diretora do Sinpro Guarulhos.
Fonte: https://diplomatique.org.br/ensino-mercantil-e-demissao-em-massa-de-professores-no-ensino-superior-privado/
- Acessado em 24.12.2017
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