PROFESSOR, um trabalhador que lê?

por Jilvania Lima dos Santos Bazzo

Fala-se muito das escolas e dos professores. Falam os jornalistas, os colunistas, os universitários, os especialistas. Não falam os professores. Há uma ausência dos professores, uma espécie de silêncio de uma profissão que perdeu visibilidade no espaço público.
Antônio Novoa

Leio este fragmento de António Nóvoa através de duas vias. Primeiro, como provocação para uma reflexão em torno da formação dos professores. Segundo, como um convite para quebrarmos o silêncio em relação à profissão docente e à escola, em especial a pública. Muito se produz sobre a educação e sobre o ensino. Mas, quem é mesmo a autoridade e quem a autoriza a falar em nome dos professores ou para os professores?

De fato, muito se discute sobre a profissão do professor e, em geral, um pessimismo atroz é propagado. Fala-se, sobretudo, acerca da falência das instituições públicas. Também se discute em torno da sua incapacidade para educar as crianças e os jovens da classe popular. Eles são filhos de trabalhadores, de desempregados e herdeiros da chamada "cultura da falta" e "da ausência".
Por outro lado, ressalta-se o império da perfeição, da ordem e do progresso das instituições privadas. É possível se distinguir as propriedades do aparentemente diverso? Existem semelhanças nas diferenças? O que há de "sim" no "não" ou vice-versa?
O que exatamente distingue a criança ou o jovem de classe social diferente? Qual o objetivo primordial dos projetos educacionais para ambos? Será formar mão de obra qualificada para ocupar os postos de trabalho? Quais postos de trabalho: caixa de supermercado, atendente, auxiliar administrativo, bancário, professor etc?
A quem interessa o discurso das verdades absolutas e do aniquilamento das diferenças, em especial das instituições a serviço da educação da classe trabalhadora? Será que, no chão das escolas, esse discurso se transforma em verbo? Serão as ações cotidianas dos professores "nutridas" por uma concepção de mundo, de sociedade e de sujeito que discrimina, segrega e aniquila? Vagarosa e silenciosamente, a esperança, a fé e a alegria das pessoas que compõem a escola pública estão sendo corroídas/destruídas. É isso mesmo?
Em 28 de maio deste ano, um artigo científico publicado neste Jornal, de autoria do Prof. Norberto Dalabrida (2012), fez-me pensar sobre a importância da formação dos trabalhadores e de seus filhos como leitores crítico-reflexivos. Se eles tivessem a consciência plena acerca do que ler, este texto seria uma síntese fundamental para se compreender as reais intenções do "projeto de formação humana" em curso.
Em geral, os textos que tratam sobre educação evidenciam o perfil das famílias e dos estudantes da classe trabalhadora desprovidos de cultura e de saber, sem capacidade para ler, compreender e produzir conhecimento científico, filosófico e/ou artístico.
E mais, os trabalhadores e seus filhos entenderiam que nesse "projeto" a escola – tanto pública quanto particular – é concebida como um mecanismo de controle e visa contribuir para a conservação das classes sociais. Uma sociedade dividida em classes se caracteriza pela exacerbada divisão inadequada dos bens materiais e culturais produzidos pelos homens, pelas mulheres, pelos jovens e também pelas crianças.
Ou seja: poucos indivíduos ganham vergonhosamente muito, trabalhando pouco ou apenas explorando os seus semelhantes, enquanto a vasta maioria ganha pouco ou miseravelmente pouco sobre aquilo que produz e que é fruto do seu trabalho.
Penso que, diante dessa compreensão, poderia haver uma mudança de atitude por parte daqueles que compõem as instituições de ensino.
Um ponto inicial para mobilizar essa mudança seria potencializar as suas experiências e as suas criações. A inércia do professor somente acentua os modos de produção, de consumo e de relações humanas aos quais estamos inseridos. No entanto, é preciso saber se o professor se sente ou se reconhece pertencente à classe trabalhadora.
Será que o professor se vê como integrante do grupo menos favorecido economicamente? Esse sentimento de pertença é fundamental para iniciar essa mudança? Se ele é um trabalhador, por que não desvela esse "projeto" e não altera o que supostamente lhe falta ou prejudica diretamente o seu semelhante?
Insisto na reflexão: a qual classe social se vincula a imensa maioria dos professores que está nas escolas públicas ou privadas? Se a maioria dos trabalhadores não consegue romper com a lógica capitalista, será um fantoche nas mãos da classe dominante?
Serão os professores marionetes nesse "projeto social"? Quais percursos serão necessários para a promoção de outras possibilidades? A leitura pode ajudar a modificar as nossas atitudes frente aos modos de relação, de produção e de consumo? Terá a pedagogia atual alguma contribuição para efetivar tal mudança?
De minha parte, creio que a leitura e o encontro entre os seres humanos poderão apontar, sim, as possíveis soluções para os problemas humanos. Tanto no plano individual/local ou coletivo/global, os (futuros) trabalhadores podem juntos refletir sobre a sua condição de vida e compartilhar os sentidos de suas leituras. Eles podem se fortalecer e se apoiar mutuamente.
Nesse sentido, Jean-Jacques Rousseau (1999), por ser considerado um divisor de águas entre a pedagogia tradicional e a pedagogia contemporânea, tem muito a ver com a nossa discussão. "Mas, como? Se ele era contra a leitura", dizem os mais afoitos. Ou ainda de forma ainda mais contundente, podem outros acusar: "Rousseau é um contraditório. Ele escreveu sobre como educar uma criança e entregou os seus próprios filhos para adoção...". Mas, isso é outra história. Fico com a responsabilidade de conversar sobre Rousseau e as suas "contradições" em outro momento.
Voltemos à questão da leitura. O fato é que, para compreendermos essa visão em torno da leitura, faz-se necessário o crivo histórico-social ao qual o filósofo genebrino estava inserido. Como sujeito de seu tempo, ele se condicionava.
No século XVIII, viviam-se sob a égide da cultural oral, os saraus evidenciavam esse traço. A leitura era um ato público e coletivo. As pessoas se constituíam nos grandes salões e saraus poético-literários e musicais. Considerava-se a leitura, tal qual a compreendemos atualmente, uma atividade solitária e individual.
Rousseau (1973a; 1973b; 1999) estava seguramente à frente do seu tempo em muitos assuntos. Ele anunciava e denunciava ideias e perspectivas acerca da educação e da (des)igualdade humana, do direito de propriedade. Era cético quanto à concepção da razão (racionalidade técnica/instrumental) como chave para solução dos problemas humanos. Negava ainda a ciência como única via para a construção da verdade.
E o professor? O que pensa acerca do seu tempo? Ele lê? Ele deseja ler? Quais são as suas condições de trabalho que possibilitam a leitura? Quem "autoriza" certos discursos em torno da educação, da escola e da formação docente, seguramente, é o professor.
Apenas como princípio educativo, nós professores devemos certamente acolher as pessoas e as suas formas de ser e de aparecer, independentemente do rótulo social. Como trabalhadores, precisamos de muita leitura para estabelecer os contrapontos, realçar os contrastes.
O professor que lê reage criticamente aos discursos produzidos e divulgados para a grande massa através da televisão, do rádio e da Internet. Sem dúvida, o professor contribui para a efetivação de um projeto social que leve mais em consideração a qualidade de vida e das relações entre os seres humanos.
O trabalho cotidiano do professor também possibilita a revisão dos modos de produção, da distribuição dos bens e do consumo. O professor que lê compreende a contradição e busca o necessário e o vital, sem aceitação passiva de modismos e perda inútil do seu precioso tempo existencial.


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