Por 
Miguel Ataide Pinto da Costa
Marcos Aguiar de Souza
Valéria Marques de Oliveira

A obesidade infantil vem aumentando de forma significativa ao longo dos anos, tornando-se uma espécie de epidemia em vários países. Tal fato é motivo de preocupação, tendo em vista haver um consenso por parte de pesquisadores e profissionais da área de saúde de que a obesidade é um importante determinante para o surgimento de várias complicações e agravos à saúde ainda na infância e também na vida adulta. Ela não afeta apenas as características físicas externas, mas influencia fatores fisiológicos, estando associada também ao desenvolvimento de diversos problemas de saúde, como diabetes do tipo II, doenças coronarianas, aumento da incidência de certas formas de câncer, complicações respiratórias e problemas osteomioarticulares (MELLO; LUFT; MEYER, 2004; SOARES; PETROSKI, 2003; KOPELMAN 2000).
Além das diversas doenças e dificuldades relacionadas ao fato de o indivíduo estar acima de seu peso ideal, a literatura vigente também tem tratado do fator psicossocial associado a tal estado. Nesse sentido, estar acima do peso, numa sociedade que valoriza a aparência física e o corpo ideal, pode fazer do indivíduo um alvo para discriminações em diversos contextos, sobretudo no contexto escolar.
Profissionais e pesquisadores de várias áreas têm identificado uma forma específica de discriminação que atinge diferentes alvos, principalmente aqueles que se distanciam dos padrões culturalmente valorizados. No caso específico da obesidade infantil, o padrão estético acaba sendo o indicativo de alvo para discriminação, e não os problemas relativos à saúde. É nesse sentido que podemos falar em bullying relacionado à obesidade infantil.
A violência é um problema de saúde pública importante e crescente no mundo, com sérias consequências individuais e sociais. Atualmente, há um consenso de que ela pode ser evitada, seu impacto pode ser minimizado e os fatores que contribuem para as respostas violentas podem ser alterados (LOPES NETO, 2005).
Considerando-se a ocorrência da violência, da conduta desviante e da conduta delitiva principalmente entre os jovens, a escola surge como contexto natural de interesse de investigação. Ali existem diversas manifestações de violência, sendo algumas delas direcionadas a professores e a funcionários, e outras aos alunos. Há também as formas de violência que ocorrem entre os próprios alunos; uma delas é o bullying, que vem difundindo-se e alcançando proporções preocupantes (BOTELHO; SOUZA, 2007).
bullying é entendido como uma forma de violência que geralmente ocorre em escolas ou em ambientes de trabalho. No contexto educacional, refere-se a um estudante que é repetidamente exposto a atos negativos por outros estudantes, com a intenção de ferir ou machucar (WHITNEY; SMITH, 1993). Geralmente, o bullyingenvolve uma relação de desequilíbrio de poder ou força entre os indivíduos, seja esse desequilíbrio real ou simplesmente percebido, podendo ser praticado de forma verbal (como apelidos pejorativos), física (com agressões) ou relacional (exclusão social) (BJOKQUIST, 1994)
Lopes Neto e Saavedra (2003), nesse mesmo sentido, consideram que o bullying pode ser subdividido em ações diretas - físicas (bater, chutar, tomar pertences) e verbais (apelidos, insultos, atitudes preconceituosas) - e ações indiretas (ou emocionais), as quais se relacionam com a disseminação de histórias desagradáveis e indecentes ou pressão sobre outros, para que a pessoa seja discriminada e excluída de seu grupo social. A tabelaa seguir apresenta os verbos que caracterizam as ações de bullying em pesquisas nacionais.


Segundo Fante (2005), podemos classificar os estudantes conforme seu envolvimento com o bullying em quatro categorias. A primeira delas é composta pelos alvos (vítimas): eles são os alunos que sofrem o bullying, alunos geralmente pouco sociáveis, inseguros e com problemas de adequação aos grupos; podem também apresentar aspectos físicos diferenciados dos padrões sociais impostos (por exemplo, obesidade). A baixa autoestima também é uma característica dos alvos, o que acaba sendo agravado pelas atitudes negativas direcionadas a eles. O segundo grupo é o dos autores (agressores): são os estudantes que praticam o bullying, geralmente pouco empáticos e mais fortes do que os colegas de classe, o que lhes dá a superioridade característica das atitudes debullying. Eles podem advir de famílias desestruturadas nas quais há pouco relacionamento afetivo entre os membros e comportamentos violentos são utilizados para solucionar conflitos. O terceiro grupo é o dastestemunhas (espectadores): são os estudantes que não sofrem nem praticam o bullying, porém convivem em um ambiente em que esses atos ocorrem. Muitos se calam diante do ocorrido com medo de se tornarem as próximas vitimas. O quarto grupo é dos alvos/autores que são os estudantes que sofrem e praticam o bullying, transferindo para outros colegas as agressões sofridas. Como em todo ato de bullying, tais agressões ocorrem em alguma espécie de hierarquia de poder ou força, sempre com os mais fortes agredindo os mais fracos.
bullying não é sempre evidente. Boa parte dos atos de violência classificados como tal ocorrem fora da presença de adultos, e as vítimas geralmente não relatam o ocorrido por medo de represálias dos agressores. Em determinadas situações, o bullying pode ser tão sutil que passa a ser tratado como uma pequena provocação, podendo ser visto como comportamento aceitável tanto entre adultos quanto entre crianças ou, em alguns casos, até como um comportamento considerado normal. Porém, se a provocação envolve intimidação, resultando em alguma forma de agressão ou constrangimento, ela claramente se encaixa no conceito de bullying (PEARCE; THOMPSON, 1998).
A relação entre comportamentos negativos de rejeição ou agressão contra indivíduos obesos (ou aparentemente acima do peso) tem sido pesquisada há bastante tempo. Maddox, Back e Liederman (1969), em um artigo em que discutem a relação entre obesidade/sobrepeso e problemas sociais, afirmaram que o indivíduo obeso tende a atrair rejeição e efeitos negativos pelo simples fato de ser obeso e que esses indivíduos tendem a ser estigmatizados como responsáveis por sua própria condição, sendo taxados de preguiçosos ou relaxados. Essa culpabilidade atribuída, segundo os autores, aumentaria os efeitos negativos nas relações sociais de tais indivíduos.
Strauss et al. (1984) avaliaram as características sociais em crianças obesas. Foram analisadas as percepções de professores, colegas de classe e das próprias crianças obesas; os resultados indicaram que as crianças obesas, quando comparadas às não obesas, eram menos desejáveis como amigas e rejeitadas com uma frequência maior pelos colegas de classe. As crianças obesas, em sua autoavaliação, também relataram maior nível de depressão e baixa autoestima.
As duas pesquisas relatadas são anteriores à década de 1990. Segundo Lopes Neto (2005), as pesquisas já utilizando o conceito de bullying ganharam destaque a partir da referida década, com os trabalhos de Olweus (1993), Smith e Sharp (1994), Ross (1996) e Rigby (1996). Esses estudos indicaram que a prevalência de estudantes vítimas de bullying variava de 8 a 46%, e a de agressores, de 5 a 30%.
Janssen et al. (2004) analisaram dados da pesquisa internacional Health Behaviour in School-Aged Children Survey(HBSC), realizada em 2001/2002 em 36 países. A pesquisa consistiu na aplicação de um questionário autorrespondido, em sala de aula, com o objetivo de identificar indicadores de saúde na infância e na adolescência (bullying e obesidade inclusos), assim como seus determinantes. Para a análise, os autores utilizaram apenas estudantes canadenses, o que resultou em uma amostra de 5.794 indivíduos entre 11 e 16 anos de idade, no intuito de verificar a relação entre sobrepeso/obesidade e bullying. Os autores encontraram prevalência geral de alvos, autores e alvos/autores de bullying de 11,6%, 8,8% e 3,1%, respectivamente. A prevalência de alvos estava associada positivamente aos níveis de IMC (Índice de Massa Corporal) nos meninos de 11 a 12 anos e nas meninas de 13 a 16 anos. A prevalência de alvos/autores aumentou positivamente com IMC apenas nos meninos de 15 a 16 anos. Tanto em meninas quanto em meninos, em todas as idades, o aumento do IMC foi associado positivamente ao bullying verbal.
Zeller et al. (2008) realizaram um estudo nos Estados Unidos com o objetivo de identificar as diferenças entre as percepções psicossociais de estudantes obesos e estudantes sem excesso de peso. O estudo teve a amostra composta de crianças e adolescentes obesos frequentadores de um hospital infantil e que moravam no máximo a 100 quilômetros de distância do mesmo. Composta de 107 indivíduos, a amostra foi então pareada com estudantes sem excesso de peso e de mesma classe escolar, idade, sexo e etnia dos estudantes obesos, para fins de comparabilidade do estudo. Os estudantes não foram informados dos objetivos e do objeto do estudo, apenas seus responsáveis. Dentre as perguntas da pesquisa, encontravam-se questões relacionadas a: (1) taxas de amizade (Like Ratings), uma escala de Likert de 1 a 5 em que os estudantes classificavam seus colegas de classe; (2) escolha dos três melhores amigos; e (3) Revised Class Play (RCP), um questionário em que estudantes e professores atribuem trinta papéis preestabelecidos em uma peça de teatro a seus colegas (alunos) de classe, com o objetivo de identificar características comportamentais dos estudantes (por exemplo: agressivo, isolado, popular, prestativo etc.).
Os resultados mostraram que os estudantes obesos são significativamente menos citados como melhores amigos por seus colegas de classe e também são menos populares segundo classificação pelos colegas conforme as taxas de amizade. Os resultados do RCP mostraram que os estudantes obesos são mais frequentemente classificados como sensíveis e isolados por colegas, professores e também por eles mesmos. Os colegas também atribuíram aos obesos significativamente menos comportamentos de liderança e mais comportamentos agressivos.
Tais resultados indicaram a percepção negativa para com os estudantes obesos, o que é um comportamento claramente estimulante ao isolamento social e a agressões do tipo verbais, ambas formas de agressão reconhecidas como bullying.
Em outro estudo, considerando-se os achados de Jansen et al. (2004), que afirmaram que obesidade, entre 15 e 17 anos, tem forte associação com autoria de atos de bullying, Sjorberg, Nilsson e Leppert (2005) investigaram a relação entre obesidade na adolescência (15 até 17 anos ou mais de 17 anos) e depressão. O estudo avaliou 4.703 estudantes suecos por meio de questionário autorrespondido e IMC (calculado com peso e altura autorrelatados). Os resultados mostraram que a obesidade esteve associada à depressão e a sintomas de depressão nas duas faixas etárias, sendo também relacionada a experiências de vergonha. Porém, a associação entre depressão e obesidade desaparece quando controlada pelas variáveis relativas a experiências de vergonha e tipos de emprego e situação conjugal dos pais. Os autores concluem que há uma associação entre obesidade e depressão, mas que essa associação é explicada por outras variáveis, afirmando, assim, que os resultados sugerem que o tratamento clínico da obesidade não deve envolver apenas dieta e exercícios, mas deve também lidar com questões de experiências vergonhosas e isolamento social, ambas formas de agressão também classificadas como bullying.
Pearce, Boegers e Prinstein (2002) investigando as hipóteses de que alunos obesos são alvos mais frequentes de agressões por seus colegas e têm menos chance de desenvolver relações românticas com seus pares, analisaram 416 estudantes (51,7% de meninas). Os resultados mostraram que meninos obesos reportaram-se mais vitimizados ostensivamente e que as meninas obesas reportaram maior vitimização relacional quando comparadas às suas colegas de peso normal. As meninas obesas foram descritas como menos prováveis de se envolverem em relações amorosas com seus colegas, e tanto meninas quanto meninos obesos relataram estar mais descontentes com suas relações amorosas se comparados aos seus colegas de peso normal.
Lumeng et al. (2010) investigaram crianças participantes da Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Study of Early Child Care and Youth Development, um estudo longitudinal focado em comportamento e desenvolvimento de crianças americanas. Os autores analisaram 821 indivíduos, com composição de 50% de crianças do sexo masculino, 17% obesas e 15% com sobrepeso.
O desfecho de bullying foi analisado a partir dos relatos da própria criança, dos professores e dos pais. Os resultados mostraram que crianças obesas, entre 8 e 11 anos de idade, tinham maior probabilidade de sofrerbullying quando comparadas a crianças com peso normal, independentemente de gênero, raça, situação econômica da família, habilidades sociais e rendimento acadêmico.
A razão de chance (OR) encontrada em relação ao desfecho sofrer bullying (1,63; IC-95% 1,18-2,25), comparando-se crianças que eram obesas a crianças com peso normal, também foi forte quando comparada entre os estratos das variáveis sexo, raça, habilidades sociais e rendimento acadêmico. Esses resultados apresentam um indicativo de como a obesidade pode ser um forte preditor para ocorrência de bullying.
No Brasil, os primeiros livros e trabalhos acadêmicos abordando a temática do bullying surgiram a partir do ano de 2000 (LOPES NETO; SAAVEDRA, 2003; CATINI, 2004; CONSTANTINI, 2004; FANTE, 2005; BEAUDOIN; TAYLOR, 2006), como resultado de programas que tinham o objetivo de combater o crescimento do bullying (BOTELHO; SOUZA, 2007).
Um dos programas mais divulgados foi o da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), um programa de redução do comportamento agressivo entre estudantes, realizado entre 2002 e 2003. Tal estudo foi implementado na cidade do Rio de Janeiro e mostrou que, dos 5.785 estudantes, de 5ª a 8ª séries, 40% admitiram estar diretamente envolvidos com atos agressivos na escola, sendo 16,9% como alvos, 10,9% como alvos/autores, 12,7% como autores e 57,5% como testemunhas. Os meninos apresentaram frequência maior de envolvimento do que as meninas, e nas meninas o bullying manifestou-se principalmente na forma de exclusão (CATINI, 2004).
Malta et al. (2010) avaliaram estudantes do 9º ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas das 26 capitais dos estados brasileiros e do Distrito Federal, por meio em dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE, 2009), com o objetivo de identificar e descrever a ocorrência de bullying, episódios de humilhação ou provocação perpetrados pelos colegas da escola. O estudo englobou 60.973 escolares de 1.453 escolas públicas e privadas.
A pesquisa não era específica para a identificação do bullying e continha apenas uma pergunta fechada em relação ao tema: "Nos últimos 30 dias, com que frequência algum dos seus colegas de escola te esculacharam, intimidaram ou caçoaram tanto que você ficou magoado/ incomodado / aborrecido/ ofendido/ humilhado?"
A análise dos dados apontou que 5,4% dos estudantes relataram ter sofrido bullying quase sempre ou sempre nos últimos trinta dias, 25,4% relataram raramente ou às vezes ser vítimas de bullying e 69,2% relataram nunca ter sofrido bullying. A capital com maior frequência de estudantes que declararam ser vítimas de bullying foi Belo Horizonte (6,9%), e a menor foi Palmas (3,5%). Além disso, meninos relataram mais bullying (6,0%) do que meninas (4,8%). Não houve diferença significativa entre escolas públicas (5,5%; IC-95%: 5,1%-5,8%) e privadas (5,2%; IC-95%: 4,6%-5,8%), exceto em Aracajú, onde foi registrada maior ocorrência de bullying em escolas privadas.
Considerando-se a classificação de Fante (2005) em relação aos papéis dos diferentes agentes envolvidos nobullying, torna-se de interesse particular entender a atuação de um potencial agente em especial, agente este que exerce um dos principais papéis no contexto educacional: o professor.
Entende-se que o professor é um dos principais responsáveis por desenvolver ações que possam promover discussões acerca da diversidade cultural, bem como estratégias que possam atenuar ou mesmo eliminar obullying no contexto educacional em que está inserido. Assim, torna-se relevante verificar a percepção do professor com relação ao problema enfrentado pelos alunos obesos ou com excesso de peso.

Metodologia
A pesquisa de campo deste estudo foi realizada com professores de três colégios da rede estadual do Rio de Janeiro, localizados no município de Seropédica, região metropolitana do Estado. Os professores foram abordados pelo pesquisador durante o intervalo das aulas, em sala reservada ao descanso, ou durante as aulas em momentos em que os estudantes estivessem realizando alguma atividade que não necessitasse de intervenção direta do professor.
Não houve sorteio, amostra ou qualquer outro critério para escolha dos professores participantes. Participaram aqueles que, dentre os contatados, voluntariamente aceitaram colaborar com o estudo. Todos os professores encontrados pelo pesquisador principal foram convidados a participar da pesquisa e não houve recusas de participação por parte deles.
O instrumento de coleta de dados continha apenas uma folha, com uma parte descritiva composta de perguntas relacionadas à formação do professor, à idade e ao tempo de magistério. Não houve, no questionário e no relato da pesquisa, identificação dos professores e das escolas entrevistadas. Com relação à temática bullying e obesidade infantil, havia apenas uma questão aberta que, propositalmente, não cita ou define o conceito debullying para não influenciar ou direcionar a resposta dos professores ao fenômeno. A questão subdividia-se em duas partes, da seguinte forma: "Você tem observado ou já observou algum tipo de problema enfrentado pelos alunos que estão acima do peso ideal? Qual (is)?".
Assim, foram entrevistados 63 professores com idade variando de 20 a 56 anos (média = 38,7; desvio padrão = 9,6), e tempo de magistério variando de 1 a 30 anos (média = 14; desvio padrão = 8,26). A formação dos professores variou entre nove graduações diferentes, com distribuição conforme a tabela seguinte:


Para atingir os objetivos da pesquisa, foi feita uma análise de conteúdo com base no modelo proposto por Bardin (1977), sendo realizada a análise categorial, utilizando-se o referencial teórico adotado no presente estudo para análise categorial das respostas apresentadas à pergunta aberta feita aos professores que participaram da pesquisa, a fim de identificar categorias presentes no discurso dos professores. Assim, foram utilizados os três passos sugeridos na formulação original da técnica: (1) recorte, quando são indicadas as unidades de análise que serão utilizadas; (2) agregação, que se refere à aglomeração das categorias iniciais em categorias mais amplas; e (3) enumeração, que se refere à forma como as categorias são consideradas - se apenas somadas, obtendo-se frequência e porcentagem, ou diferenciadas segundo algum critério específico. No presente estudo, as categorias iniciais foram reunidas em categorias mais amplas, sendo calculadas a frequência e a porcentagem de sua ocorrência.
Nesta análise, as respostas dos 63 questionários foram agrupadas em quinze categorias (não previamente estabelecidas) descritas a seguir:
  • Preconceitos - todas as referências feitas pelos professores a chacotas, apelidações, xingamentos, bem como a própria referência a preconceito, gozações e perseguições.
  • Cansaço - referências a apatia, desânimo, preguiça, distração, indisposição, vagarosidade, lentidão e à própria palavra cansaço.
  • Problemas de convivência - referências a exclusão, solidão, discriminação e não aceitação pelos grupos.
  • Timidez - referências a vergonha, timidez, introversão e indivíduos calados.
  • Problemas de saúde - referências a qualquer tipo de doença (hipertensão, doença cardíaca, diabetes etc.) e também ao sedentarismo.
  • Problemas na realização de atividades físicas - referências a dificuldades na realização de qualquer atividade física (ex.: esportes, brincadeiras, jogos, aulas de educação física e atividades de locomoção).
  • Problemas com mobiliário - referências dos professores à inadequação de mesas e cadeiras escolares aos alunos com excesso de peso.
  • Bullying - apenas as respostas que utilizaram a palavra bullying e não respostas que se encaixam na descrição de bullying.
  • Problemas de vestuários - referências a dificuldades de comprar roupas e à inadequação do próprio vestuário escolar.
  • Problemas de alimentação - referências ao consumo excessivo de doces e salgados em sala ou nas dependências escolares e à alimentação ruim, de modo geral.
  • Problemas de comportamento - referências a mau comportamento na escola.
  • Problemas de aprendizado - referências a problemas de aprendizado, baixo rendimento escolar e atraso em relação aos colegas de classe.
  • Baixa autoestima - referências a baixa autoestima.
  • Hiperatividade - referências a hiperatividade.
  • Nenhum problema - respostas negativas à pergunta e respostas descrevendo que os alunos acima do peso não têm nenhum tipo de problema diferenciado (ou específico) em relação a seus colegas.
tabela a seguir mostra a frequência com que cada categoria de resposta à pergunta aberta apareceu nos questionários respondidos pelos professores.


Resultados e discussão
A pesquisa de campo deste estudo teve como objetivo verificar, em caráter exploratório, a percepção dos professores com relação aos problemas enfrentados por alunos obesos no ambiente escolar, bem como associar tais problemas à definição de bullying.
Como podemos verificar, mais da metade dos professores (55,6%) apontou a categoria Preconceitos como um dos problemas enfrentados pelos alunos acima do peso. Tal resultado não surpreende, visto que a literatura já demonstra, em diversos estudos anteriores, a descrição desses alunos como alvos de xingamentos, perseguições, gozações etc. Podemos classificar essa categoria como um bullying direto e uma forma de violência verbal.
O aparecimento da categoria Problemas de convivência, citada por 27% dos professores, também era um resultado considerado previsível, tendo em vista o que afirma a literatura especializada. Os problemas relacionados a essa categoria podem surgir em consequência dos problemas descritos na categoria Preconceitos, fazendo com que o aluno acima do peso, ao ser alvo de gozação por parte dos colegas, tenha dificuldades em ser aceito por grupos sociais dentro da escola. As categorias Timidez e Baixa autoestima (citadas por 15,9% e 11,1%, respectivamente) também podem apresentar a mesma relação com a categoria Preconceitos. Essa forma de violência pode ser classificada como uma violência psicológica grave, causando exclusão e não aceitação do aluno acima do peso ideal por parte dos grupos e até mesmo a não aceitação do aluno por parte dele mesmo, sendo assim um bullying de caráter indireto.
As categorias Problemas de vestuário e Problemas com o mobiliário surgiram de forma inesperada. Na segunda delas, os professores relataram problemas dos alunos com carteiras escolares inadequadas. Segundo eles, todas as carteiras são do mesmo tamanho e de um tamanho relativamente pequeno (o mesmo mobiliário que serve à educação infantil, nas escolas estaduais, serve também ao ensino médio e à educação de jovens e adultos). Segundo os professores, isso é um motivo de desconforto para o aluno acima do peso e também mais um fator para que este vire alvo de chacotas por parte de seus colegas. As três citações na categoria Problemas de vestuário foram feitas por professoras que, em seus relatos, especificaram um problema associado às alunas. Segundo elas, o governo estadual fornece os uniformes em tamanho único; dessa forma, as alunas acima do peso vão para a escola com roupas relativamente apertadas e incômodas, sendo este um motivo de reclamação das próprias alunas, que são obrigadas a utilizar o uniforme no ambiente escolar. As duas categorias aqui mencionadas demonstram indícios de descaso do Estado para com o problema, e vale ressaltar que o fato de as alunas utilizarem uniformes de tamanho inadequado torna-se mais um motivo para atitudes de gozação por parte dos colegas, sendo tal aspecto também citado pelas professoras em seu relato.
As categorias menos citadas na pesquisa foram Hiperatividade e Problemas de comportamento. Nelas, cada uma citada por um professor diferente, não houve detalhamento sobre o que efetivamente se queria dizer; as respostas foram apenas pontuais, o que dificulta maiores interpretações.
A categoria Nenhum problema não foi esperada inicialmente. Dos seis professores que tiveram seu relato classificado nessa categoria, cinco simplesmente responderam não à pergunta. Um desses professores, em conversa informal com o pesquisador após responder ao questionário, admitiu que problemas com os alunos acima do peso são passíveis de ocorrer, porém justificou sua resposta afirmando que ele (professor com 24 anos de experiência) nunca havia observado algo específico e que os problemas enfrentados pelos alunos acima do peso não diferem dos problemas enfrentados por outros alunos, afirmando que todos os alunos sofrem com bullying, seja por qualquer característica física ou comportamental diferenciada. A outra resposta que se encaixou nesta categoria foi dada por uma professora (com seis anos de experiência) que respondeu da seguinte forma: "Por incrível que pareça, nos colégios em que leciono, nunca tive problemas por causa disso".
A categoria Bullying foi criada com a intenção de separar os professores que efetivamente veem o bullying em si como um problema e que reconhecem o fenômeno e suas características. Não foram incluídos nessa categoria professores que citaram problemas que se encaixam na definição de bullying, e sim os que efetivamente utilizaram a palavra. Duas das três professoras que mencionaram o termo bullying tinham uma característica em comum: o pouco tempo de magistério (4 e 6 anos). Esse pode ser um indicador de que o bullying já consta como tema de discussão nas universidades. Cabe ressaltar que outros professores, também com pouco tempo de magistério, não citaram a palavra bullying, o que pode indicar uma falta de homogeneidade da discussão sobre o assunto nas diferentes universidades ou até mesmo a pouca ênfase dada a essa questão nos cursos de licenciatura. A terceira professora a citar a palavra bullying em seu relato era da área de educação física (com 14 anos de experiência) e relatou que o fenômeno era corriqueiro em seu dia a dia de trabalho.
Outra categoria relacionada à atividade física (e, no contexto escolar, à educação física) foi Problemas na realização de atividades físicas. Apesar de inicialmente essa categoria aparentar ser um problema apontado com mais frequência por professores da área de educação física, 6 dos 9 professores que a citaram não eram dessa área. Percebe-se, no relato desses professores, uma atitude superficial e até preconceituosa, tratando dos alunos acima do peso a partir de uma descrição generalizada ou de senso comum, como nos seguintes trechos extraídos dos questionários (nesse caso, dois professores que não eram de educação física): "[...] eles são mais lentos e não é qualquer atividade que eles podem fazer"; "O gordinho não consegue fazer educação física, tem dificuldade, geralmente fica sentado, cansado, reclamando".
A categoria Cansaço foi a segunda mais citada e é provavelmente a que mais atribui um peso negativo na descrição dos professores aos alunos, tanto pela quantidade de citações (28%), como pelos próprios adjetivos utilizados pelos professores nas respostas que se encaixaram nessa categoria. Podemos destacar os seguintes adjetivos utilizados nas respostas: apáticos, desanimados, cansados, lentos, distraídos, preguiçosos, sem vontade, sempre atrasados, indispostos, calorentos, vagarosos. O uso desses termos demonstra um aspecto negativo na visão dos professores em relação a tais alunos.
Problemas de aprendizado também é uma categoria que reflete uma visão negativa dos professores para com esses alunos, mesmo não sendo uma categoria citada por muitos professores. Um deles faz uma associação entre os problemas relativos ao preconceito sofrido pelos alunos e o desconforto com as cadeiras pequenas em sala de aula, e diz que esses dois problemas refletem na aprendizagem do aluno. Um segundo professor, de língua estrangeira, afirma que, devido a gozações em sala de aula quando vai ensinar um adjetivo como gordo ou magro, os alunos acima do peso acabam acuados e tornam-se menos participativos por vergonha de se expor. Segundo o professor, consequentemente, o aluno tende a ter o aprendizado prejudicado. O terceiro professor deu a seguinte resposta: "Estar acima do peso faz com que o aluno tenha algumas limitações e seu rendimento escolar acaba sendo prejudicado".

Conclusões
Os resultados deste estudo mostraram que o preconceito, as gozações, as chacotas e as perseguições direcionadas aos estudantes obesos são percebidos pelos professores, que apontam essas atitudes como o principal problema enfrentado por tais alunos no ambiente escolar. Outros problemas, segundo a percepção dos professores, parecem ocorrer em consequência desse problema maior.
Seguindo essa perspectiva, podemos destacar as associações feitas por diversos professores entre timidez, falta de participação, isolamento e problemas de aprendizagem, e o fato de esses alunos serem alvos de perseguições, preconceitos e gozações, ou seja, o fato de serem vítimas de bullying.
Ao nos remetermos à classificação proposta por Fante (2005), em que a autora separa os envolvidos no bullyingpor participação, podemos verificar, nos achados deste estudo, o professor no caráter de espectador, ou seja, observando a ocorrência do fenômeno. Não podemos, porém, verificar sua atuação diante do problema, pois esse não era de um dos objetivos. Um resultado de destaque perante essa questão é a pouca ocorrência da palavrabullying, mas cabe ressaltar que o não conhecimento do termo técnico para o fenômeno (no caso, o bullying) não significa necessariamente o desconhecimento do problema em si. Por outro lado, o desconhecimento do termo técnico pode ser um sinal de falta de informação com relação à magnitude do problema, de seus aspectos principais e, principalmente, de como evitá-lo.
Na categoria Cansaço, percebe-se uma atitude negativa dos professores em relação aos alunos. Alguns professores descrevem os alunos acima do peso como apáticos, desanimados, cansados, lentos, distraídos, preguiçosos, sem vontade, sempre atrasados, indispostos, calorentos e vagarosos, como já dito anteriormente. O relato de um professor, em especial, destaca-se no aspecto negativo. Esse professor tem 16 anos de experiência e respondeu à pergunta da seguinte forma:
Sim. Primeiro, ele não é envolvido com os outros, é afastado, se sente envergonhado, fica no canto. Segundo, sua participação parece mais lenta que a dos outros, é menos ativo, apático, tem desenvolvimento mais lento. Os gordinhos tendem a ficar em grupos separados, com vergonha, vergonha do corpo, não se aceitam. Eles dormem à toa, cansam fácil. Os gordinhos não conseguem fazer educação física, têm dificuldade, geralmente ficam sentados, cansados, reclamando. 
Nesses casos, a posição do professor em relação à sua atuação no bullying pode passar a ser vista de uma forma diferenciada. Atitudes tão negativas em relação aos alunos podem ser indícios fortes de professores atuando como agentes preconceituosos. Para que essa forma de preconceito fosse constatada, seria necessário existir tratamento diferenciado com relação aos alunos que se distanciam dos padrões estéticos socialmente estabelecidos, por conta dessas adjetivações.
Os resultados deste estudo indicam a possibilidade de se considerar o professor como um espectador de situações de bullying. Outras pesquisas devem ser desenvolvidas a fim de buscar melhor compreensão do papel do professor em situações de bullying que têm como vítima os alunos acima do peso, de forma a permitir maior aprofundamento no desenvolvimento de ações que visem promover a diversidade cultural nas escolas. Sugere-se que estudos futuros abordem o tema em amostras mais amplas e diversificadas de modo a permitir uma melhor compreensão nos diferentes contextos.

Referências
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.      
BEAUDOIN, Marie-Nathalie; TAYLOR, Maureen. Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola. Porto Alegre: Artmed, 2006.        
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