MENOS TRIGONOMETRIA, MAS PENSAMENTO CRÍTICO: ESPECIALISTA DO MIT SUGERE
ESTRATÉGIAS CONTRA ‘PASSIVIDADE DE ALUNOS.
Disciplinas de pouca aplicação prática e ensino de
conteúdo distante do contexto real são prejudiciais aos alunos por ensiná-los a
pensar de um modo linear, que não os prepara para o mundo. É o que diz a
especialista americana em educação Jennifer Groff, pesquisadora-assistente do
Laboratório de Mídias (Media Lab) do MIT (sigla em inglês para o Instituto de
Tecnologia de Massachusetts).
Groff é
autora de estudos sobre ensino personalizado, inovações em sistemas de
aprendizagem e uso de jogos e tecnologias em sala de aula.
Em
entrevista à BBC Brasil em São Paulo, onde atuará como diretora pedagógica da
escola Lumiar, Groff faz coro ao crescente número de especialistas
internacionais que defendem um ensino mais baseado em habilidades e
competências do que em disciplinas tradicionais.
Ela
também defende que a mudança na base curricular brasileira (documento do
Ministério da Educação atualmente em fase de consulta pública) é uma
oportunidade para dar flexibilidade para que professores possam adotar jogos,
brincadeiras e projetos em sala de aula.
A seguir,
os principais trechos da entrevista:
BBC
Brasil - Uma das áreas que você estuda é aprendizagem por jogos. O que, na sua
experiência, tem funcionado ou não em termos de jogos em sala de aula?
Jennifer
Groff - Em nosso
laboratório, buscamos jogos que envolvam (o aluno) em experiências e permitam a
imersão em um conceito - em vez de um jogo que simplesmente o instrua a fazer
uma tarefa.
Por
exemplo, para ensinar a tabuada, brincadeiras com blocos permitem às crianças
perceber que "dois blocos mais dois formam quatro".
Não
gostamos de jogos em que o aluno completa quatro perguntas de matemática para
ganhar o direito de atirar em alienígenas e em seguida, "ok, a brincadeira
acabou, é hora de resolver mais uns problemas de matemática".
Tentamos
ajudar os professores a verem o valor de um aprendizado mais voltado à
brincadeira, explorando um tópico em vez de "encher" a cabeça dos
alunos com ideias.
Videogames
comerciais também podem ser usados de modo eficiente. Civilizatione Diplomacy já
foram usados por bons professores como ferramenta para engajar os alunos em
temas como negociação, por exemplo. (...) E (é importante) deixar as crianças
liderarem (o processo), deixar que elas sejam professores também.
BBC
Brasil - Muito tem sido dito sobre o aprendizado não mais centrado no
professor, e sim nos alunos. É a isso que você se refere?
Groff - Exatamente. Muitos dos
jogos que desenvolvemos no nosso laboratório são criados para serem jogados
socialmente, em grupos - somos seres sociais e não construímos conhecimento em
isolamento.
Fazemos
com que essa experiência individual e coletiva seja o centro (do aprendizado),
e o professor (tem de) criar um ambiente dessas experiências para as crianças
e, talvez depois, avaliar essas experiências - mais do que comandar um plano de
aula.
BBC
Brasil - O que tem sido mais eficiente nas transformações dos ambientes de
aprendizagem nas escolas?
Groff
- Sabemos
por pesquisas e por escolas (bem-sucedidas) que o bom aprendizado é centrado no
estudante, que constrói seu próprio conhecimento socialmente.
Em muitos
currículos, temos aquela aula de 45 minutos de matemática, por exemplo, e (os
estudantes) nem sequer sabem por que estão aprendendo matemática. Os estudantes
não a recebem
E
contexto é algo poderoso - projetos, problemas, conceitos do mundo real. As
escolas em que vejo um aprendizado mais robusto são as que trabalham nesses
parâmetros (...) baseados em competências.
A questão
é que (historicamente) não sabíamos como medir o desempenho dos alunos em
grande escala, então os dividimos em séries com base em suas idades, todos
aprendendo a mesma coisa ao mesmo tempo.
Hoje
vemos que isso não ajuda muito. Entendemos hoje que o aprendizado é orgânico,
individualizado, diversificado, e no entanto o jeito como gerenciamos nossas
escolas não reflete isso.
Por isso
que tem ganhado muita atenção o modelo de aprendizado baseado em competências -
por exemplo, pensamento crítico e outras habilidades, em vez de dividir (as
aulas) artificialmente em matérias.
BBC
Brasil - E como conciliar isso com um modelo tradicional de provas e
avaliações?
Groff
- Esse é o
problema. As avaliações são apontadas há muito tempo como o maior problema na
educação, e com razão. Como muitos modelos são atados a elas, acaba sendo o
rabo que balança o cão. (O ideal), em um futuro próximo, é a avaliação estar
inserida no sistema de modo que as crianças nem sequer percebam (que estão
sendo avaliadas).
Avaliações
são essencialmente feedback, e todos precisamos de feedback.
Uma das
razões pelas quais me interessei pelo aprendizado por jogos é que (...) um bom
jogo consegue (via algoritmos) coletar o tempo todo dados dos usuários e se
adaptar com base nisso (ou seja, compreender o que o aluno já aprendeu e
sugerir-lhe conteúdo que complemente suas deficiências de ensino).
BBC Brasil - Nesse modelo, como saber o que
cada criança precisa aprender até determinado estágio?
Groff - Não deveríamos
colocar tais expectativas sobre as crianças, do tipo "até esta idade elas
precisam saber isto".
Provavelmente
deve haver zonas de alerta - devemos nos preocupar se até determinada idade a
criança não souber ler ou escrever, por exemplo.
Mas um dos
problemas da educação é a expectativa de que todos os alunos (aprendam
uniformemente), e não é assim que funciona.
Queremos
que eles sigam seus interesses, que é de onde virá sua motivação, e temos de
coletar dados para saber em que ponto eles estão em termos de competências.
Há um mapa
de competências ainda em desenvolvimento (pelo MIT Media Lab). (...) São
grandes áreas de domínio, como pensamento crítico, pensamento sistemático
(levar em conta múltiplas opções, prever consequências e efeitos), pensamento
ético, ou outras habilidades. Até mesmo matemática, línguas.
É possível
medir esse desenvolvimento em crianças, assim como é possível acompanhar um
bebê aprender a se mexer até ser capaz de correr.
Com essas
medições, professores não precisariam (aplicar) provas, e sim permitir que os
alunos tenham uma experiência de aprendizado poderosa e depois simplesmente
monitorá-la.
BBC Brasil - Como avaliar matemática nesse
contexto?
Groff - Passei meu ensino
médio aprendendo álgebra, geometria, trigonometria, pré-cálculo e cálculo. E e
não uso a maioria dessas coisas hoje. É algo totalmente inútil para a maioria
dos estudantes, que acabam deixando de aprender coisas como finanças,
estatística, análise de dados - e vemos dados diariamente, mas não sabemos
tirar sentido deles.
A
matemática é um grande exemplo de disciplina que precisamos olhar sob uma
perspectiva de competência. Não precisamos de uma sociedade repleta de
matemáticos, mas sim de pessoas com competência de equilibrar seu orçamento
pessoal, calcular seus impostos.
BBC Brasil - Você mencionou pensamento ético.
Como habilidades sociais como essa podem ser ensinadas?
Groff - De forma geral, é
(levar em conta) múltiplas perspectivas sociais. Quanto mais você conseguir
olhar (algo) da perspectiva de muitas pessoas e tomar decisões com base nisso,
mais éticas serão suas decisões.
O MIT tem um jogo chamado Quandary (dilema,
em tradução livre), que coloca as crianças em um mundo fictício com vários
cenários em que não há uma resposta certa ou errada, mas sim decisões a tomar e
consequências. É um exemplo desse aprendizado mais divertido e contextual.
Se
entrarmos em uma escola tradicional e pedirmos ao professor que ensine
pensamento ético, ele provavelmente não vai ter nem ideia de como fazer. E um
jogo é perfeito para isso - brincando em cenários fictícios em vez de tendo uma
aula. (...) A maioria das inovações ocorre justamente em escolas onde há
liberdade para brincar.
BBC Brasil - É
possível implementar esse ensino por competências em um país tão grande quanto
o Brasil?
Groff - Com certeza. (...) A Finlândia,
por exemplo, jogou fora seu currículo inteiro, porque quer que suas escolas
sigam essa direção e viu que uma das maiores barreiras são essas estruturas
rígidas do currículo.
BBC Brasil - O Brasil também está mudando sua
base curricular. Quais os principais desafios e oportunidades disso?
Groff - O maior desafio é ter mais do
mesmo, com uma roupagem diferente. Mas para qualquer país que reforme seu
currículo há uma grande oportunidade: o documento pode moldar o dia a dia do
aprendizado nas escolas. (...) Eu daria (esse documento) a professores de
escolas públicas e perguntaria a eles se o modelo os convida a ensinar de um
modo diferente.
As pessoas
subestimam o impacto dessas estruturas, que são uma grande oportunidade de
mudança. Por exemplo, em uma visita ao Reino Unido, vi que escolas da Escócia
estavam adotando o ensino baseado em projetos (em que alunos realizam projetos
multidisciplinares, em vez de aula tradicionais) e me disseram que isso só foi
possível porque o novo currículo permitiu.
BBC Brasil - Você se aprofundou nas
dificuldades do ensino brasileiro? O que vê como maiores desafios?
Groff - Não sei muito ainda,
então não posso falar em termos específicos. Mas, globalmente, todos os
sistemas educacionais estão tentando fazer que suas escolas sejam
transformadoras - e uso essa palavra intencionalmente porque (a busca) é por um
formato totalmente diferente.
No Centro
para a Redefinição de Currículos (organização internacional cofundada por
Groff), um dos trabalhos é ajudar os países a fazerem grandes mudanças nos
documentos oficiais: tire (do currículo) aquele ano de trigonometria, você não
precisa dele.
A maioria
dos países tem medo de se livrar dessas antigas disciplinas e não percebe o
impacto negativo que isso tem em seus alunos. Precisam pensar com mais coragem
sobre a questão de habilidades e competências.
Tantas
crianças nas escolas são tão passivas, absolutamente desengajadas,
desmotivadas, e isso faz mal a elas. Estamos treinando-as a pensar de um modo
linear e achatado, que não as prepara para o mundo. É mais crucial do que nunca
pensar em como romper esse ciclo.
BBC Brasil - Vivemos em uma época em que
ideias podem ser reforçadas por "fake news" e por algoritmos que
conseguem expor usuários de redes sociais a conteúdos selecionados. Como
ensinar pensamento crítico nesse ambiente?
Groff - É um ótimo exemplo de
como, se colocamos as crianças em ambientes de aprendizado em que elas não são
desafiadas a controlar suas próprias decisões, elas nunca vão refletir sobre
essas questões.
Você quer
que as crianças vão à escola para simplesmente obedecer e entrar na fila, ou
quer um ambiente fértil em que elas floresçam como agentes no mundo?
Você não
pode esperar que, em um ambiente em que as crianças têm de apenas obedecer,
aprendam a ser cidadãos engajados e conscientes.
Da BBC Brasil em São Paulo
Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41182484
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