ENSINAR HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Quantas vezes pronunciamos história em um dia? No nosso cotidiano,
empregamos a palavra história com vários sentidos, mas dois se sobressaem. O
primeiro é vida. Evidentemente, não vida biológica, pura e simples. Mas, vida
no sentido social: pensar, agir e sentir. Temos consciência de que estamos
vivos quando constatamos que pensamos, tomamos decisões e experimentamos
sentimentos vários como a dor e o amor. Vida, nesse sentido, é história e
viver, consequentemente, é construir história.
O segundo sentido que empregamos para a palavra história é conhecimento.
Conhecimento sobre o quê? Sobre a própria vida, ou melhor, conhecimento
sobre uma parte da nossa vida, pois sabemos da impossibilidade de registrar e
rememorar tudo o que pensamos, agimos ou sentimos durante toda a vida. Tente
colocar agora tudo o que aconteceu na sua vida hoje numa folha de papel! Você
consegue?
Se não podemos ou se não nos interessa todo o passado, observemos aquela
parte que sobra. É a parte acessada a partir de testemunhos, como uma carta,
uma fotografia, uma fita de vídeo produzidos e conservados por indivíduos ou
coletividades. É esse o conhecimento de que tratamos aqui. Ele pode ganhar a
forma de um relato, produzido e reproduzido por um corpo de profissionais e
partilhado por todas as pessoas dentro e fora da escola. Nesse segundo sentido,
portanto, a palavra história pode ser entendida como um conhecimento sobre a
nossa própria vida, configurado em narrativa histórica, concebido dentro de
regras da história ciência ou da história disciplina escolar.
O conhecimento histórico é importante para a formação das pessoas? É
claro, podemos responder. A prova dessa afirmação é o fato de nós termos
escrito este texto e de vocês estarem lendo-o agora. Mas isso, apenas, não
justifica a existência dele como disciplina escolar nos anos iniciais.
Importante é ter em mente que conhecer a experiência dos homens no tempo é uma
atitude fundamental para a formação de pessoas que se dispõem a viver em
sociedade, em regime democrático, cultivando a solidariedade e a cidadania.
Se é importante para a formação do cidadão, o que ensinar sobre a
experiência humana no tempo? Será que toda experiência histórica registrada
pelos historiadores é fundamental para a formação dos brasileiros? Como as
crianças compreendem o passado?
Houve um tempo em que se pensava a história estudada nas escolas
primárias como a repetição abreviada dos livros de história do Brasil e de
história universal destinada aos adultos. Mas, com o avanço da psicologia da
aprendizagem e da didática e a partir da institucionalização da pesquisa sobre
ensino de história, sabemos hoje que a história não é um exercício para
fortalecer a memória das crianças e nem o estudo de história deve ser mediado
exclusivamente por processos de memorização.
Sabemos também que, diferentemente dos adultos, as crianças compreendem
o passado a partir de referências do seu presente. Se, por exemplo, informarmos
a uma criança que, nos tempos coloniais, as cartas demoravam três meses para
chegar a determinado local, não será improvável que o aluno conclua: “os homens
daquele tempo não eram espertos: era só ligar pelo celular e conseguiriam a
informação na mesma hora”. Se, do mesmo modo, quisermos informar que no Brasil
colonial senhores brancos escravizavam pessoas negras, pode haver aluno que
insista: “por que os negros não chamavam a polícia?”
Assim, tão importante quanto estudar conceitos como colônia, escravismo
e comunicação (e todos os valores e atitudes que eles suscitam – liberdade e
solidariedade) é fundamental fazer com que a criança desenvolva, por exemplo, a
noção de tempo cronológico. Ela precisa vivenciar a duração e o ritmo de uma
determinada ação até compreender a diferença entre três séculos (os tempos
coloniais) e três meses (o tempo que lhe separa das próximas férias).
Objetivos e habilidades prioritárias para a história nos anos iniciais
Anunciamos acima que a história é fundamental para a formação de pessoas
que se dispõem a viver em sociedade, em regime democrático, cultivando a
solidariedade e a cidadania. Qual o fundamento dessa afirmação?
Partimos da idéia de que o conhecimento histórico nos dá a conhecer o
nosso passado. Com ele podemos construir nossas identidades – sinto-me negro,
considero-me descendente de japoneses, sou mulher e brasileira.
Com ele também confirmamos ou modificamos as nossas posições: sou contra
o racismo porque sei o que significou a política de segregação na África do
Sul; penso que as mulheres devem continuar lutando pela manutenção do seu
espaço no mercado, pois nos últimos 20 anos, muitos homens receberam salários
mais altos para desempenharem as mesmas tarefas exercidas pelas trabalhadoras;
as vagas nas universidades públicas devem ser ampliadas para incluir parcela
maior da sociedade brasileira porque, no século XIX, o ensino superior foi
reservado às elites econômicas etc.
Notaram que todas essas decisões foram baseadas na experiência humana de
outros espaços e tempos (do ocorrido no ano passado com a família do vizinho;
no século passado no Nordeste açucareiro, na semana passada em Brasília)? Essas
decisões, sejam sobre as representações que fazemos de nós e dos outros que nos
cercam, sejam sobre os caminhos que queremos trilhar, individual e
coletivamente, são mediadas por informações fornecidas pelo conhecimento histórico,
principalmente no interior da escola. Por isso a história é relevante para o
ensino das crianças. Ela interfere diretamente na formação das pessoas que
enfrentarão questionamentos dessa natureza em algum momento das suas vidas.
Mas, como transformar o conhecimento histórico em estratégia de formação
e informação para aos alunos dos anos iniciais? Que objetivos o ensino de
história deve perseguir, finalmente, e que habilidades devem ser desenvolvidas?
Os objetivos do ensino de história são delineados a partir dos
princípios que baseiam a Constituição brasileira (igualdade, liberdade,
solidariedade, tolerância e valorização da experiência escolar). Eles já ganham
forma na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (dar a conhecer a
realidade social e política, especialmente do Brasil, levando em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo
brasileiro) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
(desenvolver noções de responsabilidade, solidariedade, criticidade,
criatividade, sensibilidade e de respeito ao bem comum, à ordem democrática e à
diversidade artística e cultural).
Mas é, sobretudo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais que são
delineados alguns dos principais objetivos gerais do ensino de história nos
anos iniciais. Aqui acrescemos e sintetizamos tais objetivos no desenvolvimento
de sete habilidades: conhecer/construir, reconhecer/comparar/relacionar, fazer
uso e criticar (atribuir valor) a experiência dos homens no tempo.
Conhecer/construir – conceitos de tempo, espaço, passado, história,
fonte e interpretação, que viabilizam a compreensão dos atos, pensamentos e
sentimentos dos homens através do tempo.
Reconhecer/comparar/relacionar - semelhanças, diferenças, permanências,
transformações, relações sociais, culturais e econômicas e modos de vida;
Fazer uso – de instrumentos de busca, de fontes de informação e de
ferramentas de veiculação da informação em diferentes gêneros e suportes;
Criticar (atribuir valor) – ações individuais e coletivas de grande
significado social.
Recursos didáticos
Sabemos até agora que o ensino de história nos anos iniciais deve
contribuir para a formação das nossas identidades e para a tomada de decisões.
E isso se faz, durante os anos iniciais, promovendo o desenvolvimento de
algumas habilidades que possibilitam a construção da realidade e o entendimento
dos escritos dos historiadores. Mas como desenvolver tais habilidades?
As respostas mais antigas atribuem ao professor, ou melhor, à voz do
professor a tarefa de desenvolver habilidades e de transmitir informações. Com
a profissionalização do ofício, entretanto, a idéia de dom ou de vocação inata
perdeu prestígio e o mestre, hoje, sente-se livre para aprender a usar e abusar
de todos os meios, atividades, técnicas, linguagens, enfim, todos os recursos
didáticos que possibilitem o cumprimento dos objetivos do ensino de história.
Essa variação de recursos é justificada pela pesquisa acadêmica e também
pelos demais saberes docentes adquiridos no cotidiano. O professor. não é um
“sabe-tudo”, que tem todo o tempo e dinheiro do mundo para acompanhar as
atualizações historiográficas e as descobertas do campo da cognição. Para a
formação contínua, há livros didáticos e paradidáticos, revistas, manuais,
guias, dicionários, romances, vídeodocumentários e programas de televisão. OK
(Itamar).
Pensando no aluno, também a pesquisa acadêmica e a experiência docente
têm anunciado que a diversidade de estratégias, artefatos e ambientes é salutar
para a aprendizagem. A satisfação do aluno, o interesse, a auto-experimentação,
o prazer da descoberta, o respeito aos conhecimentos prévios e às
singularidades socioculturais dos alunos, por exemplo, são noções pedagógicas
bastante conhecidas que estimulam e orientam o emprego de variados recursos
didáticos.
Assim é que a aprendizagem histórica deixa de ser, exclusivamente, a
rotineira ação de ler, copiar, ouvir e responder para envolver as habilidades
de conhecer, construir, reconhecer, comparar, relacionar, fazer uso e criticar.
Isso nos leva ao emprego parcimonioso da preleção e a ampliação do estoque de
estratégias que incluem a manipulação de fontes de gêneros e suportes
diferenciados (bilhetes, depoimento oral, certidões de nascimento, carteiras de
identidades, artigos de jornal e fotografias), o estímulo à criatividade e à
criticidade (desenho, teatro, dança, narrativa histórica em quadrinhos), e o
emprego de novas tecnologias da informação e da comunicação (a televisão, a
internet, os jogos eletrônicos), por exemplo.
Novas estratégias e recursos, contudo, não excluem o emprego dos livros
escolares (didáticos, literários, biográficos, de imagens, de palavras, atlas,
dicionários, dentre outros). A obra complementar, objeto desse programa, é um
impresso que visa aprofundar, enriquecer, atualizar conhecimentos relativos ao
componente curricular história. Esse gênero didático não tem a preocupação de
transmitir conteúdos históricos de forma linear, um programa de estudos que
valha para todo o ano, é claro. Ele auxilia professores e alunos no
desenvolvimento de determinada habilidade necessária à compreensão histórica,
sintetiza e difunde informação sobre novos temas historiográficos e novas
demandas da legislação escolar.
Nosso acervo de obras complementares está repleto de diversos tipos de
que auxiliam o cumprimento dos ampliados objetivos do ensino de história para
os anos iniciais. Com ele é possível desenvolver a noção de tempo a partir da
experiência cotidiana das crianças com as palavras antes, agora, depois, até
chegar à idéia de segundo, hora e calendário. Os livros também possibilitam o
exercício de interpretação de imagens, e o estabelecimento de diferenças,
abordando a história da técnica e da tecnologia, por meio da invenção,
construção e uso da roda e do conhecimento sobre as diferentes formas de habitação
e de trabalho através do tempo.
Além da noção de tempo, a idéia de narrativa é também explorada nas
obras complementares. Utilizando as biografias podemos apresentar aos alunos
diferentes modos de vida e a variedade da música brasileira de outros tempos.
Essa estratégia permite a valorização da criança como personagem histórico,
estimula a produção das histórias de vida dos alunos e o emprego simplificado
de operações historiográficas.
Com o uso abundante de imagens, poderemos explorar dois conceitos
fundamentais para a formação da criança: patrimônio e identidade cultural.
Assim, será possível entender que a diversidade (de modos de vestir, falar,
comer, brincar e festejar) é uma característica humana, devendo ser entendida,
respeitada e valorizada. Formas de vida e monumentos, além de traços
indicadores da identidade cultural também são fontes para a história das
pessoas e, por isso, devem ser conhecidos e preservados como bens públicos.
O acervo, ainda, amplia o nosso conhecimento sobre temáticas que foram
inseridas nos currículos brasileiros recentemente. Há informação sobre outros
modos de criação do mundo que podem auxiliar na valorização da diversidade
cultural brasileira e no reforço a auto-estima de crianças negras e indígenas
secularmente estigmatizadas pela educação escolar. É, portanto, através do
exame de fotografias, letras de músicas, contos, fábulas e mitos de criação,
que podemos ampliar nosso conhecimento sobre práticas religiosas, dança,
música, hábitos familiares e formas de trabalho dos povos Kayapó, Mundurukú e
Kamaiurá, de comunidades negras do Mali, Senegal, Benin, Nigéria, Congo e do
Brasil.
Esperamos, por fim, que as obras complementares de história sejam mais
um recurso para a melhoria das práticas pedagógicas no sentido de ampliar a
qualidade da aprendizagem histórica das crianças brasileiras.
Bom uso!
Para citar este texto
FREITAS, Itamar e OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Ensinar
história nos anos iniciais do ensino fundamental. In: BRASIL. Secretaria
de Educação Básica. Acervos complementares: as áreas do conhecimento
nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEB
2009. pp. 30-35. <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc>
Fonte das imagens
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Acervos complementares: as áreas do conhecimento nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEB 2009. <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc>
Fonte das imagens
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Acervos complementares: as áreas do conhecimento nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEB 2009. <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc>
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