Afinal, que educação queremos?
A
educação sozinha não transforma a sociedade. Mas, sem ela, tampouco a sociedade
muda ou se mantém. A educação tem um papel fundamental na organização da
sociedade, podendo tanto ordená-la, quanto reformá-la ou, até, revolucioná-la.
Então, não há só uma forma, tampouco um único modelo de educação. A escola é um
dos lugares onde ela acontece e, talvez, não seja o melhor deles. O ensino
escolar não é sua única prática nem
o professor profissional seu único
praticante. Em mundos diversos a educação existe de diferentes formas: existe
em cada povo e em povos que se encontram; entre os povos que submetem outros
povos e usam a educação como um recurso a mais de sua dominação; em um povo que
busca sua libertação, tendo a educação como instrumento para livrar-se de
qualquer tipo de dominação. A educação é uma das maneiras que as pessoas criam
para tornar comum o saber, a idéia, a crença e aquilo que é comum como bem,
como trabalho ou como vida. Pode existir imposta por um sistema centralizado de
poder, que usa o saber e o controle sobre o saber, como armas que reforçam a
desigualdade entre as pessoas, na divisão dos bens, trabalho, dos direitos e
dos símbolos. Mas pode igualmente ser uma construção coletiva, com o
envolvimento co-responsável de quem entra no processo.
Pode-se
dizer, então, que educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais, que
criam ou recriam uma cultura, que dá sentido às relações humanas. Eles produzem
e praticam formas de educação, para que elas reproduzam, entre todos os que
ensinam e aprendem, o saber das palavras, os códigos sociais, as regras de
trabalho, os segredos da arte, a religião e a tecnologia, que qualquer povo
precisa, para re-inventar a vida do grupo e dos sujeitos. Através de trocas sem
fim, a educação ajuda a explicar a necessidade da existência de uma ordem. Às
vezes, a ocultá-la, ou até mesmo, a inculcá-la.
Pensando
que age por si próprio, livre e em nome de um coletivo, um educador imagina que
serve ao Saber e ao educando. Mas pode estar servindo a quem o constituiu
professor, a fim de usá-lo para usos escusos, ocultos também, na educação. Quem
domina, por exemplo, divulga que o melhor é quem copia, e a cultura oficial
exalta as virtudes do papagaio e a fidelidade do cachorro, embora o papagaio
não pense e o cachorro seja amigo apenas do seu dono. Toda educação tem uma
intencionalidade explícita ou implícita, mas sempre presente, pois todo o
conhecimento tem um objetivo, uma direção e uma finalidade. O conhecimento tem
sempre um objeto, uma direção e uma finalidade. O conhecimento é sempre
conhecimento de alguma coisa ou de alguém, a partir de uma perspectiva. Pode-se
ter uma ou várias intenções diante de um conhecimento, comportamento ou ação.
Podem ser intenções claras ou intenções ocultas, ou até “segundas intenções”. A
intencionalidade política da educação popular significa que as pessoas que a
fazem direcionam sua educação a partir de uma analogia ou de valores, a partir
da finalidade que pretende dar ás forças sociais políticas presentes no meio
dos pobres.
A
educação é sempre uma ferramenta de uma estratégia determinada de onde não se
forma uma pessoa e depois se vê o que ele vai fazer, ao contrário, primeiro se
tem a militância, até porque o conteúdo do processo de formação, seu método e
ritmo dependem de uma concepção de mundo, de uma visão de sociedade, de uma
opção por certos princípios e valores, de um programa. A educação está sempre a
serviço de uma ideologia, de uma proposta, como instrumento para realizar sua
estratégia. Certamente o próprio processo educativo contribui para a
explicitação, formulação e aperfeiçoamento de uma estratégia.
Todo
tipo de educação está a serviço de uma organização, o que une as pessoas e os
grupos, para além das explicações românticas é a busca da realização de um
anseio comum, a defesa de um interesse ameaçado ou a consciência da militância.
Na luta popular as pessoas não formam grupo de amigos, embora possam tornar-se
amigas, elas se juntam por uma Causa. Para dar coesão a sua proposta, um grupo
ou uma classe constrói processos de convencimento para fortalecer esse grupo
que, por sua vez, vai lutar para tornar possível uma conquista até a
implantação de um sistema que garanta seus interesses de forma permanente.
Adotar e discutir princípios e posturas pedagógicas é fazer política. A
educação é um ato político, assim como um ato político é educativo. Não existe
educação politicamente neutra. Numa sociedade de classes, não pode haver
educação que seja a favor de todos – será sempre a favor de alguém e contra
outrem.
A educação serve para que uma pessoa se
acomode ao mundo ou se envolva em sua transformação. A politicidade da educação
questiona a quem educa sobre a educação que se pratica na sociedade. Ao ser
transformadora, só pode ficar contra quem se beneficia com a atual situação e
se coloca a favor de quem é prejudicado por ela; ao ser conservadora, estará a
favor dos grupos beneficiados com sua manutenção. Nascendo de visões
antagônicas, a educação libertadora e a conservadora têm cada qual a sua
metodologia.
Na
educação conservadora domesticadora, “tornar comum” pode significar a
naturalização da prática metodológica de enfiar, goela abaixo, diferentes
pacotes para perpetuar a ordem dominante. E as pessoas oprimidas aprendem a
assimilar conteúdos modelos, reduzindo-os e fortalecendo e a estrutura social
desumanizante, favorável à minoria. Já na educação libertadora, “tornar comum”
significa uma construção coletiva, que envolve as pessoas no processo de
resolver as perguntas do cotidiano, bem como na luta por sua emancipação. Essa
metodologia, onde as pessoas entram como parte, estimula a classe oprimida a
romper com as estruturas injustas e a construir uma ordem onde haja lugar para
elas, como sujeitos e protagonistas. A educação libertadora, ao estimular a
libertação de forças “naturalmente” adormecidas e socialmente reprimidas,
inclui, ao mesmo tempo, a consciência e o mundo, a palavra e o poder, o
conhecimento e a política, a teoria e a prática.
O capitalismo tenta convencer-nos que não há
alternativa de vida fora desse sistema. Com a ajuda de processos educativos,
hoje, sobretudo através da mídia e da escola, mantém-se ideologicamente
hegemônico. Hegemonia, então, é também relação política e pedagógica. Educação
é uma disputa de hegemonia, uma classe ou setor busca ter hegemonia sobre
outras classes ou setores, no sentido de exercer sobre elas um processo de
direção política, seja no plano político, cultural ou ideológico. Essa
hegemonia da classe no poder se constrói e se recria na vida cotidiana, e
através dela que se interioriza valores e se constrói sujeitos domesticados ou
críticos.
Para
superar o endoutrinamento ou o dogmatismo, qualquer processo de
educação/formação deve contribuir para que as pessoas tenham capacidade
crítica, porque, ao evitar toda a forma de basismo (elogio oportunista de um
falso saber), não se pode cair nas várias formas de dirigismo, manipulação ou
imposição, que treina obedientes seguidores. Sem visão crítica não pode existir
conhecimento verdadeiro e permanente da realidade. Soldadinhos de chumbo não
são protagonistas, nem a repetição de fórmulas acabadas e receitas
transplantadas servem para a transformação da realidade. Criticar é um dever –
mas educando não seria digno de um educador se não se atrevesse a combater m
ponto de vista que percebe equivocado. Uma organização da sociedade não se
constrói com robôs. “Desconfiai do mais trivial, na aparência singela. E
examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não
aceites o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente de humanidade
desumanizada, nada deve parece natural nada deve parece impossível de mudar.”
Bertold Brecht
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