EPISTEMOLOGIA GENÉTICA E O ENSINO DE CIÊNCIAS
ESPISTEMOLOGY GENETIC AND TEACHING OF SCIENCES
Marcelo Carbone Carneiro 1
Antonio Carlos Jesus Zanni de Arruda 2

1 UNESP Bauru/Pós-Graduação em Educação para a Ciência/carbone@faac.unesp.br
2 UNESP Bauru/ Pós-Graduação em Educação para a Ciência/arrudafilosofia@hotmail.com





RESUMO

Trata-se de discutir a Epistemologia Genética, que entende o conhecimento como uma construção e suas implicações pedagógicas na educação e no ensino de Ciências.

Palavras-chave: Epistemologia e Ensino de Ciências

ABSTRACT

Is discussed Epistemology Genetic, that understands the knowledge as a construction and your pedagogic implications in the education and in the teaching of Sciences.



Keywords: Epistemology and Teaching of Sciences

 








O conhecimento é uma construção progressiva, cabendo tanto à Escola, quanto ao professor, oferecer aos indivíduos, condições e métodos apropriados, para que estes construam progressivamente o conhecimento, onde os conteúdos sejam assimilados pelo sujeito pela ação.
Em seu texto “Para Onde vai A Educação?”, Piaget (1976) faz considerações interessantes e atuais sobre o ensino de ciências.
Piaget constata que há um número muito baixo de alunos que optam pela carreira na área de ciência. Isso em parte é justificado pelo fato de as escolas oferecerem uma preparação predominantemente literária, em comparação com as profissões de formação científica e pelo fato das aulas de ciências não seduzirem seus alunos (são aulas centradas em fórmulas prontas e transmitidas sem o mínimo de problematização).
Percebe-se, então, que não é simplesmente uma questão de conteúdo, mas de didática, metodologias e posturas pedagógicas no ensino científico.
Piaget propõe a utilização de métodos ativos para o ensino em geral e, em particular, para o ensino de ciências.
O método ativo no ensino de ciências confere ao sujeito (aluno) um papel fundamental para a construção do conhecimento, pois permite que toda a verdade adquirida seja reinventada pelo aluno ou pelo menos reconstruída e não simplesmente transmitida.
                   Diz Piaget:

Se existir um setor no qual os métodos ativos se deverão impor no mais amplo sentido da palavra, é sem dúvida o da aquisição das técnicas de experimentação, pois uma experiência que não seja realizada pela própria pessoa, com plena liberdade de iniciativa, deixa de ser, por definição, uma experiência, transformando-se em simples adestramento, destituído de valor formador por falta da compreensão suficiente dos pormenores das etapas sucessivas1

Piaget entende a experiência como indispensável para o Ensino de Ciências, porém, a experiência na forma de ações conscientes por parte do aluno, onde a história da ciência figura como elemento imprescindível.
Esta escola ativa deve considerar o conhecimento do processo de aquisição das noções e conceitos na criança. Se o conhecimento é uma construção, a educação deve ser construção e não transmissão, tal como os pressupostos epistemológicos do empirismo consideram.
Neste método, é evidente que o educador continua indispensável, para criar as situações e armar os dispositivos iniciais capazes de despertar problemas úteis à criança e organizar contra-exemplos que levem à reflexão e obriguem ao controle das soluções. O que deseja é que o professor deixe de ser apenas um conferencista e que estimule a pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com soluções já prontas. Entretanto, é preciso que o professor de ciências não se limite ao conhecimento da sua ciência, mas esteja muito bem informado a respeito das peculiaridades do desenvolvimento psicológico da inteligência da criança ou do adolescente.
A elaboração de um ensino “moderno” consistiria em falar à criança na sua linguagem antes de lhe impor uma outra já pronta e abstrata e, sobretudo, levar a criança a reinventar aquilo de que é capaz ao invés de limitar a ouvir e repetir.
Segundo Piaget (1976), ao passar para as ciências experimentais, observa-se a falha das escolas tradicionais, que negligenciam a formação dos alunos no tocante à experimentação. Neste campo, mais do que em outros, os métodos ativos deverão ser impostos no mais amplo sentido da palavra, pois uma experiência que não seja realizada pela própria pessoa, com plena liberdade de iniciativa, deixa de ser, por definição, uma experiência, transformando-se em simples adestramento, destituído de valor formador por falta da compreensão suficiente.
Em resumo, o princípio fundamental dos métodos ativos pode ser expresso: compreender é inventar ou reconstruir.
A educação não pode prescindir da análise epistemológica que desvele os conceitos que fundamentam a prática escolar.
Piaget (1976, 24) propõe que o educador tenha conhecimentos de epistemologia, psicologia da inteligência etc, além do domínio dos conteúdos específicos. A ação do educador será tanto melhor quanto mais dominar os processos de aquisição do conhecimento.
Este domínio permite ao educador compreender o porquê as crianças possuem dificuldades de aprender e, a partir disto, planejar intervenções que tornem possível o desenvolvimento desta noção.

Pressupostos Epistemológicos das teorias na Educação

Em relação à postura e adoção de pressupostos pedagógicos na relação ensino-aprendizagem em sala de aula, a primeira questão que o professor deveria levar em conta é:

que cidadão ele quer que seu aluno seja? Um individuo subserviente, dócil, cumpridor de ordens sem questionar o significado das mesmas, ou um individuo pensante, crítico, operativo que, perante cada nova encruzilhada prática ou teórica, pára e reflete, perguntando-se pelo significado de suas ações futuras e, progressivamente, das ações do coletivo onde ele se insere?2.

Neste sentido, há que se demonstrar a existência de três diferentes maneiras de se representar à relação ensino-aprendizagem, as quais apresenteremos a seguir:

  1. A Pedagogia Diretiva e seu fundamento epistemológico

Há um estabelecimento neste modelo de uma relação em que o professor acredita piamente que o conteúdo deve ser tão somente transmitido ao aluno. É o chamado “mito da transferência”, pois o aluno não domina o que denominamos de conhecimento sistematizado, sendo o professor a autoridade máxima neste contexto, já que se preparou para tal.
Para se obter sucesso nesta relação, há a necessidade de um estabelecimento de relações de poder, onde o professor possua controle sobre a sala de aula, não somente no que se refere ao conteúdo e à disciplina comportamental, mas, também, na disposição espacial de seus alunos, bem como o enfileiramento de carteiras.
Percebe-se, então, uma grande passividade por parte dos alunos, pois eles terão de assimilar não só o conteúdo ministrado, mas reconhecer, na pessoa do professor, a máxima autoridade.
Do ponto de vista epistemológico, tal relação se caracteriza por enxergar o aluno como uma “tabula rasa”, desde o nascer até suas posturas sobre novos conhecimentos e que, portanto, a realidade ou o meio social determinará o que será importante em sua formação, no caso o professor. Essa posição denomina-se como Empirista, melhor dizendo, que o mundo externo (experiência) imprime no sujeito a validação do conhecimento.
            Mas quais as conseqüências de se adotar tal postura?
Observamos a reprodução de uma ideologia de ausência de criatividade, de autoritarismo, de não estimulação e de conservação de velhas posturas e respostas, dando uma impressão de que não há nada de novo.
No aluno, o acabamento desta ideologia, apresenta-se de maneira perversa, pois acaba abrindo mão do refletir, do questionar, do buscar alternativas, abrindo mão de sua cidadania, transformando o processo de ensino-aprendizagem em “faz-de-conta”, já que o professor finge que leciona e os alunos fingem que aprendem.

2. A Pedagogia não-diretiva e seu fundamento epistemológico

Este modelo se faz mais presente em fundamentos epistemológicos do que propriamente em uma relação ocorrida em sala de aula.
Vale-se de que o aluno possui estruturas a priori para aprendê-lo. Estas estruturas estariam em sua bagagem genética, desenvolvida ou não. E que, então, para aprendê-lo, o professor seria um mero estimulador dessas estruturas e que sua interferência deveria ser a mínima possível. Neste sentido, soariam frases do tipo: “Ninguém pode transmitir. É o aluno quem aprende”. Outro professor afirma: “Você não transmite conhecimento. Você oportuniza, propicia, leva a pessoa a conhecer”. (Becker,2001)
Esta epistemologia denominada de apriorista prevê que o ser humano já está programado por uma herança genética.
Na prática pedagógica, o professor renuncia à intervenção no processo de ensino-aprendizagem, gerando certo “laisser-faire”.
A combinação epistemológica e pedagógica nesta postura gera uma falsa liberdade, pois não há um estabelecimento de limites, tudo acaba virando válido, além do que, levar em conta tão somente a bagagem genética como fundamento para aprendizagem, pode incorrer em situações de discriminação social, pois se entre os menos favorecidos, os pobres e os marginalizados não há aprendizagem é porque possuem má formação genética?

3. A Pedagogia Relacional e seu fundamento epistemológico

Esta pedagogia não acredita que o aluno é uma mera tabula rasa, e o meio (a experiência) imprime no sujeito o que ele deve aprender (empirismo), nem tampouco que somente através de estruturas apriorísticas ou inatas, o sujeito assimile o que seja conhecimento.
Para tanto, postula que, desde quando somos recém-nascidos, começamos a agir assimilando algo do mundo real, gerando inquietudes e perturbações, pois é um contato com o novo. Portanto, somos obrigados a rever nossos instrumentos de assimilação deste mundo novo, buscando assim o equilíbrio.
A partir desse instante e conforme nos desenvolvemos, os instrumentos de assimilação e cognição do sujeito vão se refinando, fazendo com que construamos conhecimentos cada vez mais completos com conteúdo e forma.
Estas ações permitem com que o indivíduo vá construindo uma relação de conhecimento do mundo, através de uma bagagem hereditária que, por conta de uma interação com o mundo externo, possibilita reconhecer-se como sujeito e a entender o que é o mundo social ou exterior.
O professor que assume tal postura não acredita em um ensino tradicional, baseado tão somente no fator de transmissão de conhecimentos, nem tampouco que deixe a aprendizagem em um sistema “laissez-faire”.
Acredita sim que o aluno aja sobre algo que o professor tenha identificado como importante para o sujeito e que ele “responda para si mesmo às perturbações (acomodação) provocadas pela assimilação do material”. (Becker, 2001)
Neste sentido, tal pedagogia permite que o professor acredite que o construir é algo como um sempre “vir-a-ser”, não possuindo estaticidade e que, na perspectiva de possibilitar construção, poderá verificar e respeitar fases de desenvolvimento de seus alunos e ação e retomada de conteúdos.
Levar-se-á em conta o dinamismo da sala de aula, pois se enxergará de maneira crítica a realidade social e de a possibilidade de se construir novos conhecimentos.
Nesta empreitada, professor e aluno viram parceiros, superando assim práticas autoritárias e dogmatismos curriculares, porque leva em conta a história de desenvolvimento dos sujeitos, bem como o conhecimento construído e acumulado pela História da Ciência.  


As Contribuições do Construtivismo para o Ensino de Ciências

Ao analisar as contribuições do Construtivismo para o Ensino de Ciências, perceberemos logo de antemão um novo olhar.
Vemos nesse referencial que, tanto o conhecimento como o sujeito, não são vistos como estáticos ou acabados, como quer o Empirismo, onde só possui validade de conhecimento aquilo que é impresso na mente do sujeito, por conta da realidade; ou através do Apriorismo, corrente filosófica que postula que o indivíduo já possui estruturas mentais aptas para alcançar conhecimento, basta tão somente serem despertadas.
Adotar o Construtivismo como prática pedagógica no Ensino de Ciências pressupõe compreender os estágios de desenvolvimento cognitivo em que o sujeito se encontra. “Além disso, reconhecer que a construção de conceitos e conhecimentos não se dá por um mero “despejar’, nem tampouco deixar” o processo à solta”, mas o professor, através de sua competência e autoridade, deve propor questões que levem seus alunos a serem despertados para um conhecimento de uma realidade que os cerca e através de um estabelecimento de uma interação, os interpretam e os constroem, levando também em conta o que os próprios sujeitos conhecem deste objeto.
“Esta maneira de proceder exige identificação prévia do grau de compreensão do aluno em relação ao objeto do conhecimento; no caso, os conteúdos específicos”.(NARDI, 1989,16)
Esta epistemologia permite identificar no sujeito a possibilidade de fazer leituras da realidade, segundo esquemas de assimilação que o sujeito possui, ou seja, de que o conhecimento não é tão somente uma leitura da realidade e sim uma construção, observando em como se assimila esta própria realidade.
Ao se ter contato com o novo, no caso com conteúdos, há certa perturbação, implicando que este sujeito procure a construção de um entendimento, modificando o que encontrou anteriormente, ou seja, de que nestas interações entre indivíduo e meio se processa um mecanismo de recriação do real:
“O novo se constrói sempre a partir do já adquirido e o transcende”. (AGUIAR, 2001)
Isso posto, possibilita-se não somente rever os procedimentos metodológicos em sala de aula, mas também a estruturação de um currículo que leve em conta as fases de desenvolvimento da aprendizagem, quando o professor deve contar com elementos que estimulem seus alunos, que permitam enxergar uma reciprocidade entre ambas as partes na busca pelo entendimento e pelo respeito mútuo.
Também podemos afirmar que, a partir destas relações, há um emergir de novos desafios, como, por exemplo, integrar os conteúdos científicos à realidade de vida dos alunos, a possibilidade de trabalhar conteúdos que tornem o indivíduo mais critico, enxergando a Ciência não mais como dona de verdades absolutas e que ainda desperte a cidadania, permitindo enxergar os fatores que estão implícitos no conhecimento, além dos fundamentos próprios, como também as questões ideológicas.

“Uma orientação radicalmente construtivista é uma proposta que contempla uma participação ativa dos alunos na construção dos conhecimentos e não uma simples reconstrução pessoal dos conhecimentos proporcionados e elaborados, pelo professor ou um texto”. (GIL PÉREZ,1999).

Neste sentido, o professor se comporta também como um grande estimulador, pois pode não somente despertar em seus alunos a capacidade de reconstrução de  conhecimentos, mas torná-los pesquisadores. A partir do momento em que se sentem aptos em interagir com o meio reconstruindo novos conhecimentos, caberá ao professor proporcionar-lhes próprios que tentem ir além do que foi proposto, ou seja, de que podem extrapolar limites, ou melhor, dizendo que procurem novas possibilidades de conhecimento também de acordo com seus interesses. É o que se denomina de “Ensino por pesquisa” (Gil Pérez, 1999, p.507).
Então, verificamos uma grande participação ativa do aluno em sua própria aprendizagem, reconstruindo conhecimentos anteriores, no que se refere tanto a conteúdos, quanto em relação ao meio que outrora lhe proporcionou possibilidades menos abrangentes.

  As posturas pedagógicas do professor presentes no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula

Ao analisarmos a relação professor-aluno na sala de aula no que se refere ao processo de aprendizagem, observamos a presença das posturas pedagógicas descritas anteriormente.
Abordaremos aqui três eixos centrais, primeiramente apresentando duas posturas pedagógicas muito presentes, a saber, a experiência e algumas derivações da mesma e o apriorismo; para finalmente apontarmos uma alternativa, através de uma leitura que permita compreender melhor o processo de ensino-aprendizagem: o construtivismo.

a) A Experiência

A experiência aparece de maneira muito presente de diversos modos e maneiras. Podemos como exemplo inicial apontar o reforço da “imagem” do professor, reconhecido de uma maneira equivocada como máxima autoridade, como um sujeito que domina conteúdos e que, portanto para aprender, basta tão somente assimilar, decorar, realizar atividades por ele determinadas, de uma maneira passiva e ainda tê-lo como modelo a ser seguido, pois para se obter sucesso é necessário ser intelectual.
Esta visão, caracterizada de maneira ingênua ou não, implicará em questões muito sérias, pois proporciona diretamente de maneira ideológica uma aprendizagem passiva, não contando com a construção de conhecimentos tanto por parte do professor e muito menos pelos alunos, havendo tão somente memorização, reforçando assim uma didática tradicional, relembrando as pedagogias tradicionais, entre as quais podemos exemplificar através  da Escola Pitagórica: “Magister dixit!”(“O Mestre disse, está dito!”).
Neste tipo de pedagogia os alunos tão somente observam os dados apresentados, posteriormente os escrevem e após os descrevem, sendo então levados a acreditar que estão aprendendo, “tendendo a criar uma impressão durável no espírito”.(AEBLI, 1978,8)
Os alunos a partir dessa concepção somente recorrem a dados sensoriais de percepção e observação.
São vistos pelo professor como se fossem “tábulas rasas”, aos quais progressivamente vai imprimindo as impressões fornecidas pelos sentidos.
            Esta pedagogia tradicional não apresenta os alunos como sujeitos no processo da aprendizagem, havendo tão somente uma primazia do meio externo, da experiência.

A corrente empirista explica o funcionamento da inteligência por uma pressão que o meio exterior – físico ou social – exerce sobre o organismo e que, paulatinamente, é gravada na mente ou no espírito do sujeito, independente de sua atividade”.(BECKER, 1997,16)

Não se trata aqui de desprezar a experiência nem de tampouco fundar críticas a quem toma tal postura como prática pedagógica, mas em estabelecer uma discussão em como a experiência exerce influência sobre o sujeito e como este registra e constrói os dados por ela fornecidos.
Não há como negar que a experiência possui papel importante nas fases de desenvolvimento cognitivo do sujeito; pois, como começamos a entender como o mundo funciona, senão primeiramente através de coisas visíveis e tangíveis?
            Porém, através do desenvolvimento biológico e intelectual do indivíduo, fica claro que há certo descolamento desse mundo empírico, passando a um favorecimento da organização de dados construídos quando da ocorrência da experiência.
Reforçamos a tese de que o sujeito, ao adentrar o mundo da escola, especificamente, no processo da aprendizagem, não deve receber um tratamento de passividade, em tão somente assimilar conteúdos; mas, ao contrário, ser capaz de agir e transformar.
Nota-se também no processo de ensino-aprendizagem, que a experiência pode se apresentar de outras formas, como por exemplo, estar vinculada à prática cotidiana, ao fazer, o executar de acordo com o que se vive no dia-a-dia, havendo uma dicotomia entre o diário e a parte teórica, muitas vezes sendo justificada esta prática, com discursos do tipo: “Se ficar preso ao conteúdo, os alunos não entendem nada. Melhor então, é lecionar de acordo com os seus assuntos de interesse”.
Não há aqui o questionamento de conteúdos, suas contribuições, nem tampouco o construir por parte dos alunos.
Outra forma a ser retratada é a do conhecimento alinhavado como algo referente às experiências de vida, um mero senso-comum, vivido em um plano sensorial, sem reflexão sistemática, onde impera certa passividade e conformismo, do tipo: “Sempre foi assim, para que mudar algo?”
Também está presente, nesta pedagogia, o modo empirista no processo de ensino-aprendizagem, revelando-se de maneira a permitir que, aprendendo algo externo ao sujeito, conheceremos as coisas de uma maneira mais clara, sem eloqüências teóricas, nem tampouco filosofias. Nada mais é do que perceber a realidade e descrevê-la como esta funciona, sempre apostando em um acumular de conhecimentos adquiridos, cabendo ao professor a incumbência de transmitir esses conhecimentos acumulados e aos alunos o papel de receber.




b) O Apriorismo

Esta visão radicaliza em relativizar a experiência, absolutizando o sujeito, ou seja, de que este sujeito possui formas (“Gestalten”) de conhecer as coisas, sem necessitar da presença do meio, como se este não possuísse qualquer influência sobre este processo.
Em um processo de ensino-aprendizagem, leva-se em conta reivindicar que o sujeito já possui estruturas que o permitem elaborar conhecimento, bastando tão somente que o professor “desperte” essas estruturas, estabelecendo certo estímulo na busca pelo conhecer.
O aluno é visto como que já nascesse com condições inatas para conhecê-lo e o construir, no sentido de possuir ou não talentos. É como que se biologicamente já existisse, vamos dizer assim, certa condição para o sucesso ou para o fracasso.
 Nesta postura poderemos ouvir frases do tipo: “Possuo mais aptidão para as matérias exatas, do que para as humanas”, ou ainda “para ser desportista tem que ter tendência pro esporte, tem que gostar daquilo”.(BECKER, 1993,92)
Cabe ao professor a missão de levar o indivíduo a despertar essas potencialidades inatas trazidas por uma bagagem hereditária, visto que não se levará em conta as questões que permeiam uma discussão sobre o processo de ensino-aprendizagem, referentes aos conteúdos, políticas de ensino, condições de trabalho etc., mas sim, em descobrir quais são as aptidões que o aluno possui, para então desenvolvê-las. E se este apresentar problemas de construção de conhecimento, problemas trazidos de seu lar, o professor deverá estabelecer conversas com os pais, ocasionar um desvio do foco de atenção em identificar quais são os reais problemas enfrentados neste processo.


c) O Construtivismo

Mas como “escapar” de certa prática do construtivismo que acaba forjando uma prática conservadora e passiva?
Sabemos que há muitos questionamentos, inclusive por parte dos próprios professores em relação a essas abordagens, porém, também se percebe que, mesmo criticando esses modelos, falta aos docentes um paradigma epistemológico que lhes possibilite enxergar a si mesmo e a seus alunos,  incluindo questões de fundamentação e apoio pedagógico.
É preciso sair desse senso-comum, até mesmo em enxergar a experiência com outros olhos:

... não é recepção; é antes, ação e construção (estruturação) progressivas. O sujeito passivo do empirismo é substituído pelo sujeito ativo cuja experiência pressupõe uma atividade organizadora ou estruturante, de modo que a experiência é construída e não imprimida tal e qual no espírito do sujeito3”..

Isto sugere um caminho didático para a formação de professores: refletir, primeiramente, sobre a prática pedagógica da qual o docente é sujeito. Apenas, então, apropriar-se de teoria capaz de desmontar a prática conservadora e apontar para construções futuras. Em geral, a formação dos professores segue o caminho (currículo) inverso: apropriar-se da teoria e, em seguida, impô-la à prática através de receituários didáticos, independentemente de sua pertinência a esta mesma prática4.

Essa prática sugere criatividade em se estabelecer um melhor diálogo, não somente entre professores e alunos, mas também entre os próprios professores e disciplinas, ultrapassando visões errôneas de conhecimentos estanques, sem relacionamentos com outras áreas do conhecimento.
Uma visão mais construtivista de processo de ensino-aprendizagem pressupõe uma prática pedagógica mais interdisciplinar, de multiplicação de conhecimentos, sem perder a especificidade particular. Segundo o próprio Piaget:

...trata-se, em outras palavras, de estarem imbuídos os próprios mestres de um espírito epistemológico bastante amplo a fim de que, sem tanto para negligenciarem o campo de sua especialidade, possa o estudante perceber, de forma continuada, as conexões com o conjunto do sistema das ciências. Ora, tais homens atualmente são raros5.

No processo de ensino-aprendizagem é preciso levar em conta que o sujeito possui certas “Gestalten”, que são dadas de maneira biológica de início, mas que se constituem em seu todo à medida que desenvolve ações próprias de construção quando da experiência, ou seja, quando toma contato com o mundo empírico e aí é chamado a organizá-lo, tornando-se assim um sujeito cultural e histórico, pois leva em conta a sua história de desenvolvimento cognitivo e o processo de construção do conhecimento científico.
Em uma construção do conhecimento, baseada nesta visão, o indivíduo é encarado a todo instante como um sujeito ativo, pois é chamado para uma ação, ou seja, num tempo e num espaço; ação esta não somente para si mesmo, mas para todo o meio que o cerca, quer seja, social, cultural, econômico etc.
Leva-se em conta com isso que tanto a experiência quanto a razão possuem papéis de interação, porque quando o sujeito toma contato com o meio, este lhe apresenta valores, conhecimentos, e é através de sua ação de organizar este mundo, através de esquemas de assimilação e de acomodação, que lhe serão possibilidades de  dar significado às coisas.
Com o estabelecimento desta pedagogia, o professor passa a ter chance de oportunizar possibilidades, desenvolvendo nos alunos a capacidade de questionar, de levantar dúvidas.  Com isso poderá refletir sobre suas próprias bases teóricas, em como articular conhecimentos de uma maneira lógica, em saber compreender como os seus alunos organizam e entendem o desenvolvido.

Nega-se por um lado, o saber absoluto atribuído ao professor e o autoritarismo daí derivado; a pretensa incapacidade de o professor influir no aluno e a inutilidade dos conhecimentos deste. Por outro lado, nega-se a  ignorância absoluta atribuída ao aluno e a subserviência e a inanição que lhe são cobradas; o autoritarismo do aluno e a pretensa insuficiência de seus instrumentos de acesso ao conhecimento6.

Há assim um verdadeiro resgate da autoridade do professor em ser reconhecido como alguém que possui e domina um conhecimento sistematizado, mas que valoriza uma relação construída.






REFERÊNCIAS:
AEBLI, Hans . Didática Psicológica . 3ª ed. São Paulo, Editora Nacional, 1978.
AGUIAR JR., Orlando. O papel do Construtivismo na pesquisa em Ensino de Ciências. In: Investigações em Ensino de Ciências. UFMG. 2001.
ARRUDA, Antonio C. J. Z. A importância da Experiência na Construção da Noção Espacial, segundo a Epistemologia Genética de Piaget. Mestrado (Dissertação). UNESP. 2004.
BECKER. F. A Epistemologia do professor. O Cotidiano da Escola. Rio de Janeiro. Vozes. 1993.
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KANT, I. Coleção Os Pensadores. Editora Abril Cultural. São Paulo, 1974.
KANT, I. Dissertação de 1770. Editora Nacional – Casa da Moeda. Lisboa,1982.
KANT, I. Prolegômenos a toda Metafísica Futura . Editora Edições 70. Lisboa, 1982.
KANT, I. Crítica da Razão Pura – Estética Transcendental . Coleção Os Pensadores. Editora Nova Cultural. São Paulo, 1987 .
NARDI, R. Um estudo psicogenético das idéias que evoluem para a noção de campo. Subsídios para a construção do Ensino desse conceito. Tese de Doutorado. São Paulo. USP. Faculdade de Educação. 1989.
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1 PIAGET, J. Para onde vai a Educação. Rio de Janeiro: Editora UNESCO, 1976, 20.
2 Becker, Fernando. Modelos Pedagógicos e Modelos Epistemológicos. In: Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed. , 15-32. 2001.
3 Becker, Fernando. Da ação à operação. O Caminho da Aprendizagem em J. Piaget e P. Freire. RJ: DPA Editora. 2ª Ed., 1997, 61.
4 Becker, Fernando. A Epistemologia do Professor. O Cotidiano da Escola. RJ: Editora Vozes, 1993, 332.
5 PIAGET, J. Para onde vai a Educação. UNESCO: RJ. 1976,25.
6 Becker, Fernando. A Epistemologia do Professor. O Cotidiano da Escola. Editora Vozes, 1993,11.

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