Aprendizagem Cooperativa e Autonomia

 Maria Therezinha de Lima Monteiro, Ph.D[1]



RESUMO:Cooperação, numa abordagem construtivista, envolve trocas de perspectivas, com descentração de pontos de vista e desenvolvimento da aprendizagem de todos os elementos envolvidos num processo interativo. Trata-se de um processo, que  emprega estruturas de incentivo, com os estudantes trabalhando em pequenos grupos heterogêneos, com tarefas bem definidas, cuja essência é o ato de operar juntos, com rendimento do grupo como um todo. Essas estruturas de incentivo ou de objetivos estão em contraste com os incentivos competitivos e individualistas. Uma estrutura de objetivos cooperativos existe quando os estudantes percebem que podem obter objetivos se, somente se, os outros estudantes, aos quais estão ligados, possam obter os seus. A aprendizagem em cooperação apresenta duas características essenciais: uma estrutura cooperativa de objetivos (interdependência positiva) e responsabilidade individual. Um corpo substancial de pesquisas tem demonstrado as vantagens acadêmicas e sociais do emprego de estruturas cooperativas em sala de aula. Estruturas de aprendizagem cooperativa promovem habilidades de liderança, de comunicação e de manuseio de conflitos. Num mundo que se torna interdependente e cooperativo de modo crescente, essas habilidades serão altamente valorizadas. Logo, aprendizagem em cooperação tende a promover interações positivas, sentimento de aceitação psicológica, tomada de perspectiva, auto-aceitação e alta auto-estima. Ocorre, assim, desenvolvimento cognitivo, moral, afetivo e social, onde o afetivo regula as trocas sociais envolvendo cognição. Esses processos interativos implicam relações psicológicas no exercício e nos resultados da autonomia. Do ponto de vista moral, a cooperação conduz não simplesmente à obediência das regras, mas a uma ética da solidariedade e da reciprocidade. Do ponto de vista intelectual, esta mesma cooperação entre indivíduos conduz à crítica mútua e à objetividade progressiva. Cada sujeito pensante constitui um sistema de referência e de interpretação, cuja verdade resultará da coordenação de pontos de vista. Pensar em função dos outros é substituir o egocentrismo do próprio ponto de vista e os absolutos enganos da imposição verbal por um método de relações verdadeiras, que assegura a compreensão recíproca bem como a constituição da própria razão.
SUMMARY: Cooperation, in a constructivist approach, involves exchanges of perspectives with decentralization of points of view and learning development of all elements involved in an interactive process. It is a process that employs structures of stimulus with the students working in small heterogeneous groups, with well defined tasks whose essence is the act of working together, with results of the group as a whole. These structures of stimuli or objectives are opposed to the competitive and individualistic stimuli. A structure of cooperative objectives exists when the students realize that they can reach the objectives if, only if, the other students to whom they will be linked can reach theirs. The learning in cooperation presents two essential features: a cooperative structure of objectives     (positive interdependence) and individual responsibility. A substantial body of researches has revealed the academic and social advantages of employing cooperative structures in the classroom. Cooperative learning structures develop leadership, communication and conflict-handling skills. In a world increasingly interdependent and cooperative these skills will be highly valued. Therefore learning in cooperation tends to promote positive interactions, the feeling of psychological acceptance, taking of perspective, self-acceptance and high self-esteem. This results in cognitive, moral, affective and social development, where the affective regulates the social exchanges involving cognition. These interactive processes imply psychological relations in stake in the exercise and in the autonomy results. Of the moral point of view, the cooperation leads not only to the compliance with the rules, but to ethics of solidarity and reciprocity. Of the intellectual point of view, this same cooperation between individuals leads to mutual critics and to the progressive objectivity. Each thinking individual constitutes a system of reference and interpretation whose truth will result from the coordination of the points of view. To think in function of others is to replace the egocentrism of one’s own point of view and the absolute mistakes of the verbal imposition through a method of true relationships that assure the reciprocal comprehension, as well as the constitution of the very reason.

INTRODUÇÃO.

            O sistema educacional brasileiro tem sofrido variações mediante os modismos lançados pelas diferentes posições teóricas da psicologia.
            Os anos de 1920 testemunharam uma proliferação extraordinária de escolas psicológicas e pontos de vista (Murchison, 1926/1930. In Tryphon&Vonèche -Eds-199). Tratava-se de uma crise originada pelo conflito entre a psicologia experimental, na tradição de Wundt e Titchener, focalizada na perspectiva da análise elementarista e introspectiva da consciência, sem comportamento ou sem desenvolvimento e a psicologia analítica objetiva, na tradição de Pavlov, Bechterev e  Watson, na perspectiva do comportamento e aprendizagem sem consciência, intensificada pela emergência das críticas estrutural e holística dos gestaltistas (Tryphon & Vonéche, 1.996, p.12).
            Dentre as perspectivas psicológicas nestes anos de 1.920 destacaram-se o estruturalismo tradicional, representado por Titchner e seus vários alunos, incluindo Cheparov na URSS; o funcionalismo pragmático, com suas raízes em James, Baldwin, Dewey e Angell, representado na Europa por Claparède e outros; as diferentes formas de behaviorismo e também pelas abordagens teoricamente mais sofisticadas e mais influentes de E.B. Holt e A. P. Weiss; a reactologia de Kornilow; a psicologia Gestáltica com Wertheimer, Köhler e Koffka; as primeiras concepções topológicas de Lewin; o personalismo de Stern; a psicologia semiótica de Karl Bühler e a abordagem genética comparativa de Wener (Idem, Ibidem).
            Torna-se difícil imaginar um corpo de discurso social/intelectual mais rico e desafiador. Contudo, era também um discurso enigmático com velhas dicotomias, como racionalismo e empirismo, subjetivismo e objetivismo, análise e síntese (incluindo a relação sistemática da parte com o todo e do todo com a parte), invariância e transformação.
            A psicologia tradicional era “subjetivista” em sua insistência no método introspectivo e não desenvolvimental em sua ênfase sobre atributos universais da mente consciente.
            Já a reflexologia e o behaviorismo eram “objetivistas” em sua rejeição da introspecção em favor da observação externa, mas igualmente “não desenvolvimental”, ao atribuir variações universais às leis de aprendizagem. Além disso, ambas as abordagens, tradicionais e objetivistas, eram empíricas em suas abordagens ao insistirem sobre a importância da experiência “analítica” (Idem, p.13).
            Em contraposição a estas posições, psicólogos gestaltistas estavam argumentando que, de regra, tanto os eventos da vida mental, cujas propriedades (forma, sentido e valor) não são detectáveis em suas partes isoladas, quanto as estruturas mentais eram coerentes, por existirem antes da experiência, que serve para organiza-la. Isto queria dizer que, enquanto as psicologias tradicionais e objetivistas eram empíricas e analíticas, a gestalt era racionalista e sintética. Além disso, a gestalt era também “não evolutiva” ou não desenvolvimental, dado que considerava as estruturas já construídas “a priori” na mente.
            Esta situação serviu de quadro de referência para a justificação do jovem Piaget em sua perspectiva evolutiva. No último capítulo da obraConcepção da Causalidade Física na Criança” (1927/1966) e na obra “Nascimento da Inteligência na Criança” (1936/1963), Piaget acusava o empirismo por não reconhecer um princípio ativo na mente e a psicologia Gestáltica, por falhar no reconhecimento ou não compreensão dos princípios de transformação estrutural inerentes ao desenvolvimento.
            Vygotsky também articulou muitos de seus pontos de vista em criticismos e sínteses dessas perspectivas. Em um manuscrito intitulado “O Sentido Histórico da Crise em Psicologia”, escrito em 1.926, mas publicado no “Collected Works” (1982. In Tryphon/Vonéche, 1966, p. 13), Vygotsky desenvolveu uma crítica sofisticada do empirismo ingênuo implícito em ambas as posições, introspeccionismo subjetivo tradicional de consciência (especialmente na URSS por Chepanov) e a dos psicólogos objetivistas do comportamento, exemplificadas especialmente nas reflexologias de Pavlov e Bechterev. Vygotsky ataca a crença empirista de que conhecimento válido deva ser baseado na observação direta (introspectiva ou externa) e o fracasso conseqüente do empirismo em reconhecer a natureza inferencialmente indireta e interpretativa da construção e da validação do conhecimento científico, ou seja, o empirismo tendia construir experiência como uma imposição sobre o sujeito e falhou em reconhecer a organização ativa da atividade do próprio sujeito.
            Em 1930, na medida em que sua noção de estrutura reconstruída dialeticamente começou a emergir, sob a influência dos escritos de Jean Piaget, Vygotsky também criticou a concepção “não desenvolvimental” da Gestalt como formas universais “a priori”.
Interessante, ao articular as concepções de estrutura psicológica humana e os processos designados a transcender “dicotomias”, inerentes à crise da psicologia, Piaget e Vygotsky tomaram também caminhos paralelos, construindo conceitos de desenvolvimento sobre as interações entre mente e meio, com o intento de combater tanto a ênfase do empirismo sobre a função adaptativa quanto a preocupação introspeccionista com a mente e a consciência, procurando evitar extremos de ambas as posições: objetivismo e subjetivismo (Tryphon & Vonèche, 1996, p.13). Contudo, cabe acentuar que perante a situação política da URSS na época de Vygotsky, bem como sua curta longevidade, o eminente psicólogo russo deixou de nos oferecer estudos longitudinais que pudessem oferecer detalhes sobre o desenvolvimento cognitivo da criança russa, deixando de atender ao convite de Piaget para uma possível realização de estudos comparados sobre o desenvolvimento cognitivo nas duas culturas: suíça e russa (cf. Tryphon/Vonéche, 1996, Introd.).

            A escola brasileira sofreu influências marcantes tanto das abordagens behavioristas, neobehaviorismo de Skinner, com a Instrução Programada, quanto da gestáltica, cujas influências sobre os processos de aprendizagem da leitura e da escrita foram, de certa forma, remodeladoras e , até certo ponto, desastrosas. Com o behaviorismo, a repetição de respostas desejadas passou dominar o cenário escolar, com extrema proliferação e comercialização de material didático organizado nos parâmetros da Instrução Programada, principalmente nos Estados Unidos da América do Norte, terra natal de B.F. Skinner. Ora, a Instrução programada, com os pequenos passos e  o reforçamento extrínseco imediato da resposta considerada correta estava ajustada a uma aprendizagem individualizada. Nas pesquisas que tive oportunidade de realizar nos EEUU, na década de 70, o reforçamento extrínseco individual (Monteiro, 1976, pp.625-626; 1977, p.835) , num contexto coletivo de sala de aula, mostrou-se altamente nocivo às crianças que não apresentavam rendimento escolar imediatamente reforçado com balas, biscoitos e até dinheiro, principalmente entre as crianças apresentando necessidades especiais. Assim, os alunos bem sucedidos e extrinsecamente reforçados tinham seu relacionamento social prejudicado com seus pares não reforçados e estes, os mal sucedidos na aprendizagem, desenvolviam um comportamento de fuga em relação à situação de aprendizagem. Não posso esquecer-me das reações de uma criança, com dificuldades de aprendizagem, ao presenciar o sucesso de uma colega ao receber balas como reforçamento extrínseco: abraçou a professora e chorou copiosamente. Como pesquisadora brasileira,temperamento latino, simplesmente coloquei o saco de balas no colo da criança em pranto e procurei consola-la.
            Contudo, o reforçamento extrínseco social, sob a forma de feedback “certo ou errado” ou “muito bem”, não pode deixar de ser oferecido num contexto social de ensino e de aprendizagem, pois o aprendente precisa se conscientizar de que seu trabalho está ou não dentro dos parâmetros  esperados da tarefa escolar que está sendo realizada.
            Com os estudos de psicogenética, adquiriu-se consciência da importância dos procedimentos de ensino e aprendizagem, procurando-se não deixar mais a criança agir de modo aleatório por ensaio e erro e acerto acidental, na busca da resposta certa a ser associada ao reforçamento extrínseco. Agora, procura-se possibilitar, na situação de ensino e aprendizagem, a construção de uma lógica viva ligada à organização da ação do sujeito do conhecimento (aprendente), mas para isto, conhecimentos detalhados dos princípios psicogenéticos do desenvolvimento cognitivo, inseparável do desenvolvimento afetivo e social, já que a cognição só ocorre numa situação social regulada pela afetividade, tornam-se realmente importantes.
Diferentes abordagens construtivistas têm levado a diferentes práticas psicopedagógicas, e algumas delas com efeitos pouco positivos. A falta de organização de atividades na situação de ensino e aprendizagem, deixando a criança abandonada à própria sorte, não se apresenta como forma didática com base em princípios do desenvolvimento. A partir do momento que surge a função simbólica no desenvolvimento cognitivo da criança, esta passa a ter maior capacidade de antecipação em seus processos de indução e de dedução, passando a não agir mais por descobertas aleatórias, mas sendo capaz de estabelecer relações entre meios e fins mentalmente representadas, antes de agir de modo efetivo. Além disso, muitos teóricos da educação não conseguem entender que a psicogenética tenha utilizado a criança em desenvolvimento para constatar como um conhecimento menos desenvolvido torna-se mais desenvolvido, julgando e reinvidicando sempre que os piagetianos só cuidam da aprendizagem da criança, deixando de lado educandos do segundo e do terceiro graus. Além disso, certas semelhanças têm sido observadas entre as reações da criança em desenvolvimento (método psicogenético) e a evolução da própria ciência (método histórico-crítico). Pesquisas de Ferreiro e sua equipe de investigação, sobre o conceito de leitura e escrita, têm demonstrado que o adulto analfabeto apresenta reações semelhantes às da criança (Ferreiro e outros,1983).
            Com a criança em idade escolar e mesmo pré-escolar, tanto a percepção direta do evento ou objeto quanto a sua representação mental e possíveis antecipações tornam-se concomitantes, com a imagem mental e o esquema de assimilação orientando possíveis decisões na solução de problemas.
            As variações nos procedimentos da educação sistemática, em função de fundamentação teórica, têm sido observadas também em outras culturas, principalmente nos EEUU, berço da instrução programada. Diferentes períodos de conscientização das autoridades educacionais têm marcado a educação americana, tais como a era do “Sputnik”, ou “Por que Johny não aprende a ler” (Flesch, 1955. In Grisham/Molinelli, 1995) até o ponto de se considerar “uma nação em risco” (National Commission or Excellence in Education, 1983). Atualmente, conforme documentário da TV, a aprendizagem escolar americana está enfrentando o grave problema da cola, o que significa que a instrução programada, no período de 1970 a 2000, não atingiu seus objetivos em termos de aprendizagem a longo prazo.
            Entre nós, parece que o problema não é muito diferente. Além da prática psicopedagógica, informada por diferentes posições teóricas, há de se considerar outros problemas de ordem política e social. Nossas escolas são “microcosmos”, inextricavelmente ligados aos problemas da sociedade que elas representam. O problema da flutuação da economia, além dos desvios de verbas e da pouca atenção aos problemas da educação e da saúde, como também o cataclismo cultural caracterizando centros urbanos, entre nós, assolados pela violência, não podem deixar de influenciar as salas de aula brasileiras. Esses desafios adquirem a forma de recursos em declínio, com o aumento do tamanho das salas de aula e população escolar extremamente heterogênea, que apresenta dilema de enorme proporção para a sala de aula centrada no professor, onde a cooperação entre os pares não é utilizada como processo de ensino e aprendizagem. Do mesmo modo, não há cooperação entre os diferentes especialistas atuando na área da educação, no sentido de se considerar a criança como um todo, não se podendo delimitar áreas e funções de modo compartimentalizado entre o orientador e o professor ou entre o psicólogo e o psicopedagogo, dado que psicopedagogia apresenta-se justamente como a união indispensável entre a pedagogia e a psicologia, a partir do momento, ao redor de 1920, que Piaget criticou a abordagem psicanalítica de Freud[2].
            Orientar nossos estudantes para trabalharem em cooperação, através de grupos heterogêneos, é um velho conceito, com variadas abordagens e modernos  refinamentos  e muitas implicações para a mudança de nossa sociedade (Slavin, 1983, 1990. In Grisham & Molinelli, 1995). Originado no progressivismo centrado na criança de J. Dewey (1904), enquanto introduzido formalmente como uma alternativa de instrução durante o neo-progressivismo dos anos 60 e 70, este meio de organização da aprendizagem em sala de aula pode, se usado propriamente, oferecer um meio educacional que engaja ativamente mais estudantes na maior parte do tempo, ligando e avaliando diferenças intelectuais de linguagem e de cultura entre eles, com construção de auto-estima positiva. Por exemplo, pesquisa extensiva sobre a construção do pensamento lógico-matemático (Piaget, 19366; Piaget & Inhelder,1971, etc.) e sobre as múltiplas inteligências (Gardner, 1983), indicam que além de uma capacidade geral para estabelecer relações, várias habilidades e talentos podem ser quebrados em múltiplas categorias, conforme os conteúdos focalizados. Aprendizagem em cooperação assegura o potencial, tanto para respeitar quanto para nutrir as diversas inteligências ou habilidades, manifestadas em qualquer sala de aula, além de assegurar a capacidade geral lógico-matemática, com base na lógica das relações, origem e fundamento da construção dos significados nas áreas específicas do conhecimento. Trata-se de um procedimento psicopedagógico, particularmente efetivo, perante escolarização tradicional, que tem dependido da pedagogia centrada no professor e no livro de texto, que freqüentemente falha ao acomodar às diferenças dos vários talentos e à aprendizagem, entre uma população heterogênea de estudantes (Goodland, 1984; Cuban, 1984 In Grisham & Molinelli, 1995).
            Práticas cooperativas de sala de aula podem conter a chave para assegurar que a maioria dos talentos dos jovens de nossa nação não seja perdida. A isto se deve acrescentar práticas cooperativas entre o psicólogo escolar ou educacional, o psicólogo clínico, o psicopedagogo, o epistemólogo ou psicogenticista, o orientador educacional e o professor.

Aspectos Históricos:

A aprendizagem cooperativa não é uma estratégia nova de ensino e aprendizagem. Suas raízes emergem do último século. Entre os americanos, o superintendente das escolas públicas em Quincy, Massachussetts, de 1875-1880, desenvolveu métodos cooperativos de instrução em suas escolas de 1875 até a virada do século. As escolas de Quincy ofereceram um molde para muitos educadores, dentre eles John Dewey, que promoveu o uso da aprendizagem cooperativa como parte de seu método de projeto de instrução no laboratório da Universidade de Chicago, da virada do século até 1930(Grisham & Molinelli, 1995). Entre nós, temos que acentuar os trabalhos de Anísio Teixeira, aluno de Dewey, e os trabalhos do Professor Lourenço Filho com os estudos sobre a escola nova. Na década de 70 tive a oportunidade de desenvolver técnicas de ensino e aprendizagem cooperativa em uma escola de Ensino Fundamental em S. José do Rio Preto, SP, com a atividade artística servindo de base para a estruturação de relações em nível prático, reconstruídas em nível de representação mental, com a criança modelando, desenhando e  expressando-se oralmente e por escrito. Ora, se a imagem mental apresenta-se como uma construção ativa do objeto, por deslocamentos espaciais exploratórios (Piaget/Inhelder, 1993), esta imagem era reconstruída pela criança por meio do desenho e de expressões em forma de orações. Por exemplo, as aulas de geografia, numa classe de 3º série do Ensino Fundamental, eram realizadas com a criança modelando mapas em argila, cuidadosamente ressecados e pintados com tinta a guache e expostos perante a classe. As crianças trabalhavam em grupos, construindo conhecimento de modo interdisciplinar. Após a modelagem e denominação dos acidentes geográficos e produção econômica das diferentes regiões, as atividades eram traduzidas em composições escritas como complementação das aulas de geografia e de história bem como nas de comunicação e de expressão. Nas aulas de ciências, no estudo das plantas, por exemplo, as crianças secavam flores na areia fina. Ao final de duas semanas a flor estava seca, com as cores preservadas. A seguir as crianças aderiam nomes às partes da flor, montando uma pequena maquete ou um cartaz em três dimensões. Toda a atividade era traduzida em relatórios e composições escritas em comunicação e expressão. Não apenas atendíamos aos princípios do realismo nominal[3], como também aos processos de conscientização de aprendizagem (metacognição), com as crianças refletindo e expressando-se corretamente por escrito, realizando um trabalho conjunto de construção do significado (semântica), de sintaxe e de morfologia.
 Durante a segunda guerra mundial, pesquisadores começaram a demonstrar interesse pela interação e cooperação entre elementos de equipes. A teoria da dinâmica de grupo de Kurt Lewin foi explorada, lançando suas raízes antes  e durante a guerra como um cientista judeu na Alemanha. Ímpeto adicional foi oferecido por dois estudos influentes: um por Lippitt, seu aluno de graduação, no qual diferenças foram reveladas na atmosfera de grupo associadas a diferentes estilos de liderança (autoritária versus democrática); outra foi dada durante a guerra, na qual foi detectado que a decisão de grupo tinha mais influência sobre as decisões dos indivíduos do que as decisões tomadas separadamente pelos próprios indivíduos (Stivers, 1986. In Grisham & Molinelli, 1995).
            Levin faleceu repentinamente em 1947, mas seu trabalho ofereceu fundamentação para outros continuarem sua linha de pesquisa, notadamente Morton Deutsch (1949. In op. cit. 1995), cujos estudos dos efeitos da cooperação e da competição sobre processos de grupo, nos finais de 1940, foram influentes na concepção de aprendizagem cooperativa.
            A dinâmica de grupo aplicada à educação começou a influenciar a política educacional nos anos de 1970. Por exemplo, Richard Schmeck na Universidade de Oregon escreveu sobre a consulta de pares para o desenvolvimento organizacional inovativo nas escolas públicas (Schmeck, 1977. In op. cit. 1995). Os irmãos Johson começaram escrever sobre estruturas instrucionais nos primeiros anos de 1970 e seu primeiro livro foi endereçado a um público de professores: “Aprendizagem Junto e Sozinho: Cooperação, Competição e Individualização, publicado em 1970. Entre nós, os trabalhos do Professor Lauro de Oliveira Lima merecem especial destaque.
            Desde os anos de 1970, a aprendizagem cooperativa tem sido largamente investigada por muitos pesquisadores com diversas questões sobre sua implementação e eficácia. Grandes pesquisadores escreveram ou editaram livros sobre aprendizagem cooperativa. Artigos em revistas de pesquisas acadêmicas e apresentações em conferência representam outra fonte volumosa de dados que suportam a utilidade e os benefícios da aprendizagem em cooperação de uma forma ou de outra .
            Muitos professores usam alguma forma de trabalho de grupo em suas salas de aula. Contudo, o trabalho de grupo que se poderia ver hoje em muitas salas de aula pode não ser aprendizagem em cooperação. Simplesmente colocar estudantes em grupos não garante cooperação. Aprendizagem em cooperação é algo que vai além do trabalho de grupo, pois envolve o máximo de interação entre os estudantes.

         Definição de Aprendizagem Cooperativa.

Elizabeth Cohen (1994. In op. cit. 1995), numa recente revisão da aprendizagem cooperativa e as condições para pequenos grupos produtivos, definiu largamente aprendizagem em cooperação com estudantes trabalhando juntos em pequenos grupos suficientes para que cada um participe num trabalho coletivo com tarefas claramente definidas. Trata-se de uma definição ampla, no sentido em que ela abrange o que é denominado aprendizagem em cooperação ou cooperativa e trabalho de grupo. Além disso, é uma definição de caráter sociológico, dada a sua acentuação de tarefas e delegação de autoridades mais do que conceito psicológico de objetivos, recompensas e necessidades para outros indivíduos no grupo (Crisham/Molinelli, 1995).
         Definição mais comum e mais restritiva de aprendizagem cooperativa, apesar de similar à definição de Cohen, refere-se também ao uso de técnicas que empregam estruturas de tarefa cooperativa, na qual estudantes gastam a maior parte do tempo na sala de aula trabalhando em grupos heterogêneos. Contudo, essas definições também focalizam o uso de estruturas de incentivo cooperativo, nas quais os estudantes ganham reconhecimento, recompensa ou notas baseadas no rendimento acadêmico de seus grupos. Essas estruturas de incentivo estão em contraste com os incentivos competitivos e individualistas. Estruturas de incentivo são parentes do que Johson e Johson denominaram estruturas de objetivos, definindo um objetivo como “um estado futuro  de competência desejada ou aprendizagem na área estudada” (1987, p.3. In Crisham/Molinelli, 1995, p.4).
            Uma estrutura de objetivo especifica o tipo de interdependência que existe entre estudantes e os modos nos quais se relacionarão entre si e com o professor ao trabalharem para a efetivação ou busca dos objetivos instrucionais. Por exemplo, uma estrutura de objetivos cooperativos existe quando estudantes percebem que podem obter objetivos se, somente se, os outros estudantes, aos quais estão ligados, possam também obter seus objetivos. Em contraste, uma estrutura de objetivo competitivo existe quando os estudantes percebem que eles podem obter ou atingir seus objetivos se, somente se, os estudantes, aos  quais estão ligados, falham ao atingir os seus. Tal interação competitiva é a luta para atingir tais objetivos, mais comum em uma sala de aula, na qual há uma curva de distribuição de notas ou de rendimentos.
Finalmente, uma estrutura de objetivo individualista existe quando a busca do objetivo por um estudante não está relacionada com a busca do objetivo por outros estudantes; se um estudante atinge ou não seu objetivo não depende de outros atingirem os seus. Usualmente, não há interação entre os estudantes numa situação individualista, desde que cada estudante procure o resultado que é melhor para si, sem considerar que outros atinjam ou não os seus objetivos. O mesmo individualismo é observado entre os profissionais da área de educação. Se a integração do trabalho destes profissionais deve ter como objetivo otimizar os procedimentos de ensino e aprendizagem para evitar o fracasso escolar, tão acentuado em nossas escolas, só nos resta apelar para as estruturas de incentivo de caráter cooperativo entre tais especialistas. Este é um aspecto que tive a oportunidade de observar nos Estados Unidos na década de 70, onde o psicólogo educacional, o orientador educacional, o psicometrista, o conselheiro psicológico e o professor constituíam peças de uma única orquestração, cujo centro catalisador era a criança. Talvez seja este o motivo para a especialização da psicopedagogia não ter se desenvolvido aí, pois o trabalho do psicólogo escolar e educacional visava a criança na sala de aula e não apenas a criança com necessidades especiais, num trabalho conjunto com os demais especialistas. Em Cuba, depois de muitas experiências, concluiu-se que o verdadeiro psicopedagogo deveria ser o professor, pois é ele que está em contacto face a face com a criança diariamente. Entre nós, pelo que tenho constatado em Brasília, os alunos de classes privilegiadas, freqüentando colégios considerados de nível bom, se não tiverem aulas de reforço extra-classe não conseguem vencer os conteúdos curriculares. Seria um problema relacionado aos excessos de conteúdos ou à falta de otimização dos processos psicopedagógicos, que atendessem mais aos princípios psicogenéticos que conduzem à interdisciplinaridade? Já na Argentina, graças aos estudos de Melanie Klein, professora do ensino pré-escolar, que se integrou a um grupo de psicanalistas, a psicopedagogia norteou-se por esta linha de trabalho, com o psicopedagogo recebendo formação em cursos de graduação de cinco anos, tendo a necessidade de passar por um processo de análise.
A despeito da variação entre as definições, muitos especialistas estão de acordo que a aprendizagem em cooperação apresenta duas características essenciais: uma estrutura cooperativa de objetivo (interdependência positiva) e responsabilidade individual.
            A cooperação, no sentido de “operar juntos”, apresenta-se como base da própria construção do conhecimento. Sem ser capaz de aceitar o ponto de vista do outro, o sujeito situa-se no centro de todas as perspectivas, considerando-se causa eficiente de tudo. Isto configura uma causalidade “mágico-fenomenista” que não considera a perspectiva dos eventos num contexto relativo. Ora, numa situação em que os diferentes especialistas da área da educação lutam por sua identidade profissional sem focalizar a criança como o centro de suas especializações, apresenta-se como problema digno de reflexão.

Benefícios da Aprendizagem Cooperativa.

Um corpo substancial de pesquisa , nos últimos quarenta e cinco anos, tem demonstrado as vantagens acadêmicas e sociais do emprego de estruturas cooperativas na sala de aula. Situações de aprendizagem cooperativa tendem promover maior rendimento do que situações de aprendizagem competitivas ou individualistas (Johson, Maruyama, Johson, Nelson e Skon, 1981. In Grisham/Molinelli, 1995). Algumas pessoas temem que estruturas de aprendizagem cooperativa penalizam estudantes de alto rendimento, mas as pesquisas não têm confirmado isto. Em vez disto, alunos com melhor rendimento trabalham melhor em grupos cooperativos porque raciocinam, parafraseiam e sintetizam mais informações do que se estivessem sozinhos ou em uma situação de competição. Além disso, estruturas de aprendizagem cooperativa promovem resultados sociais mais positivos, tais como habilidades de liderança, comunicação e habilidades para manusear conflitos.
            Em um mundo que se torna interdependente e cooperativo de modo crescente, estas são exatamente as habilidades que serão valorizadas. Aprendizagem de pequenos grupos,com estudantes trabalhando cooperativamente no estudo das matérias acadêmicas, tem levado a rendimento superior em solução de problemas e habilidades mais altas de pensamento (Hertz-Lazarowitz, Sharan & Steinberg, 1980; Sharan, 1980; Slavin, 1983. In Grisham/Molinelli, 1995).
Os benefícios da aprendizagem e do trabalho em cooperação são bem estabelecidos. Aprendizagem cooperativa está positivamente relacionada à maturidade emocional, à habilidade para ajustamentos sociais, forte identidade pessoal e confiança básica e otimismo em relação a outrem, aspectos importantes num ambiente de trabalho educacional (Jhson, Johson, Holubec & Roy, 1984. In Grisham/Molinelli, 1995, p.5). Aprendizagem em cooperação tende a promover interações positivas, sentimentos de aceitação psicológica, tomada de perspectiva, auto-aceitação e alta auto-estima. Outros benefícios incluem expectativa de recompensa, interações futuras agradáveis e prazerosas com colaboradores.
Estudantes também se sentem pessoalmente valorizados e apoiados por seus colegas e passam a preocupar-se com a aprendizagem de seus pares, sentimento que passa a ser recíproco. O sentimento de que seus pares estão preocupados com o quanto você aprende apresenta-se como poderoso incentivo (Johson & Johson, 1983. In op. cit. 1995). Esta empatia mútua estimula a habilidade do estudante em considerar  os sentimentos dos outros. Isto traduz uma atmosfera de trabalho extremamente importante a envolver as equipes de orientação, ensino e aprendizagem.
            Finalmente, com relação ao desenvolvimento de melhores relações interculturais, estudantes que trabalham cooperativamente em pequenos grupos e em direção a objetivos comuns desenvolvem apreciação pelo fortalecimento dos outros (Madden & Slavin, 1983. In Grisham&Molinelli, 1995, p.6). Estudantes de diferentes níveis étnicos ou culturais, que aprendem  associar-se entre si, sob circunstâncias estruturadas em sala de aula, freqüentemente desenvolvem relações positivas na área de brinquedos e fora da escola.

Perspectiva Piagetiana.

Apesar do argumento de que os resultados da aprendizagem em cooperação sobre o rendimento dos estudantes são pouco conclusivos, a razão para seu uso parece ter sólida fundamentação teórica.
A partir dos escritos de Piaget e seus colaboradores emerge o ponto de vista de que a interação de pares incita o desenvolvimento cognitivo e a competência profissional. Consiste na percepção de contradições perante o posicionamento de conflitos cognitivos. Um conflito cognitivo consiste na percepção de contradições entre o que o sujeito acredita e o que o mundo está lhe apresentando. Se o sujeito tiver consciência de tal contradição, a experiência tem um efeito de perplexidade sobre ele, levando-o a questionar suas crenças e tentar novas.
Conflito cognitivo, portanto, é um catalisador para mudanças e melhor rendimento profissional.
Piaget escreveu que os pares forçam um ao outro a descentrar a própria perspectiva e considerar a do outro. Quando as crianças discordam entre si, elas enfrentam conflitos  sociais e cognitivos. Esta experiência conduz as crianças a numerosas compreensões importantes. Primeiro, elas se conscientizam que há pontos de vista além dos seus. Segundo,  elas aprendem a examinar seus próprios pontos de vista e a reavaliar sua validade. Terceiro, elas aprendem que devem justificar suas próprias percepções e comunica-las de modo integral a outrem, para que os outros possam aceita-las como válidas. Isto, por sua vez, força-as a refletir sobre sua própria compreensão e seus resultados, de modo a expressa-los clara e convincentemente. O que dizer das descentralizações de pontos de vista entre os profissionais da educação? Não estaríamos eliminando muitos vieses e fortalecendo o sucesso da criança?
Assim, de acordo com Piaget, as crianças ganham tanto benefícios sociais quanto cognitivos por meio da interação com seus pares. Os benefícios sociais são melhorados pelas habilidades de comunicação e percepção mais aguda da perspectiva de outras pessoas. Os benefícios cognitivos se referem à necessidade do re-exame da verdade das próprias concepções e a re-orientação do “feedback” de outros neste processo. Piaget acredita que esses benefícios sociais e cognitivos estão diretamente relacionados, no sentido de que comunicação social promove a continuidade do desenvolvimento cognitivo. Ora, o desenvolvimento moral é fenômeno concomitante ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e social, onde o afetivo regula as trocas sociais envolvendo cognição.
Qualquer que seja o ideal social que se proponha para a geração mais nova, desde o liberalismo mais individualista até os sistemas mais autoritários, haverá sempre o problema de se estabelecer que tipo de “ação” exerce umas gerações sobre as outras: será a autoridade adulta suficiente para conduzir as crianças e sobretudo os jovens, ao fim que se propõe alcançar ou será indispensável a colaboração dos jovens em suas associações? Neste caso, quais seriam os resultados das diferentes combinações possíveis entre a cooperação dos jovens e a imposição adulta? (Monteiro, 2000). O que dizer das diferentes combinações possíveis da cooperação entre os diferentes especialistas da educação frente às imposições de administradores e coordenadores, que não raro guardam pouco contacto face a face com a criança na sala de aula?
O problema envolve a análise das principais relações psicológicas em jogo no exercício da autonomia, bem como nos seus resultados.
Quer se considere a consciência moral e a inteligência ou razão como procedentes de tendências inatas ou inteiramente devidas à ação da sociedade sobre o indivíduo é evidente que o exercício da moralidade e da lógica supõe a vida em comum. Cada grupo social é caracterizado por um certo número  de regras morais e de modos obrigatórios de pensar, que os indivíduos se impõem mutuamente. Mas, se até os aspetos mais gerais destas regras morais e lógicas são devidas a uma consciência humana, aparentemente independente da sociedade, esta última é necessária para dar conteúdo àqueles, no sentido de obrigar o indivíduo a submeter-se (Piaget, Heller, 1968, p.10). Logo,  torna-se necessário invocar um certo número de fatores  psicológicos para se compreender o funcionamento e os resultados da autonomia.
Em primeiro lugar, como o indivíduo não recebe as regras e a obrigação de obedece-las inteiramente do exterior é evidente que a evolução da criança não consiste somente no desenvolvimento progressivo das aptidões inatas, mas, especialmente, em uma socialização que transforma qualitativamente sua personalidade. Desde o início do período sensório-motor do desenvolvimento da inteligência, quando o bebê nada conhece sobre a realidade social, limitando-se a imitar e agir sob impulsos reflexos, até o estado adulto, quando as regras morais e lógicas estão interiorizadas, assiste-se a uma conversão gradual do indivíduo. Na medida em que as regras permanecem exteriores, a criança é incapaz de socializar seu comportamento e seu pensamento, não conseguindo situar-se no mesmo plano que os demais indivíduos, permanecendo dominada pelo seu egocentrismo inconsciente. Do mesmo modo que o homem primitivo não compreendia as leis físicas do universo exterior e começou por acreditar que os fenômenos se achavam centrados nele mesmo, em vez de situa-los em um universo objetivo e independente do seu eu, também a criança considera o grupo social em função dela mesma, em vez de situar-se entre os outros em um sistema de relações recíprocas e impessoais.
Do ponto de vista moral, este egocentrismo é bem conhecido. Nas relações entre as crianças e os adultos, ele se manifesta nas dificuldades dos pequenos compreenderem o “porquê” e “para quê” obedece-las; na relação entre as próprias crianças aparece como um obstáculo para a coordenação de atividades entre os pares. Por exemplo, quando jogam bolinhas de gude (jogo comum entre as crianças suíças e francesas e também entre as brasileiras em alguns locais do interior do país), antes dos seis ou sete anos, a criança aplica as regras ao seu modo e acredita vencer todas às vezes por não ser capaz de pensar no aspecto normativo deste jogo (Piaget, 1932). Este egocentrismo permanece inconsciente e cada um crê, em boa fé, que todo o mundo pensa como ele.
O mesmo ocorre do ponto de vista intelectual. De um lado, quando os interesses do eu estão em conflito com as normas da verdade, o pensamento começa por preferir a satisfação em lugar da objetividade, cujos resultados serão as mentiras, a fabulação[4], os jogos simbólicos, instrumentos valiosos da criança para enfrentar o mundo adulto. Nas conversações ou diálogos e discussões, a criança procura compreender o outro e fazer-se compreender, mas comete deformações sistemáticas devido a essa incapacidade de situar-se no ponto de vista do outro, não sabendo também dar conta do seu próprio pensamento sem equívocos, achando-se sempre “dona da verdade”. Não sabe discutir e nem refletir, na medida em que a reflexão é uma discussão interior, que modera a afirmação pessoal imediata, confrontando-a com a objeção possível dos outros (Piaget/Heller, 1968, p.12). Além disso, é toda uma estrutura do juízo e do raciocínio que condiciona, de perto ou de longe, o egocentrismo e a socialização do pensamento. A definição, a fixidez ou a flexibilidade dos conceitos depende, em parte, de sua utilização coletiva. Por outro lado e sobretudo, a lógica das relações supõe a reciprocidade e, enquanto o egocentrismo dominar o espírito da criança, esta não compreenderá o manejo das relações mais usuais. Por exemplo, uma criança antes dos sete anos, em média, saberá dizer que tem um irmão, mas não que seu irmão também tem um; saberá designar sua mão direita, mas não a do seu interlocutor colocado a sua frente (Piaget, 1967). Pesquisas com crianças deficientes (cegas, surdas, deficientes mentais) têm mostrado certa defasagem na aquisição das operações de classificação e de seriação (Piaget/Inhelder, 1971). Uma aluna de nosso curso de Mestrado em Educação, área de ensino e aprendizagem, sob minha orientação, comparou crianças ouvintes com deficientes auditivas na construção do conceito de mentira e constatou que aos quatorze anos o atraso das últimas em relação às primeiras apresentava-se numa base de quatro anos (Trujillo, 1966). A criança deficiente auditiva, além do atraso na construção do conceito, objetivou falta de compreensão da autoridade paterna e materna, quando comparada com a criança ouvinte. Logo, não só antes dos sete anos, mas também a criança deficiente apresenta egocentrismo inconsciente espontâneo mais prolongado, cujas repercussões morais e intelectuais são consideráveis.
Como a criança irá libertar-se desse egocentrismo para socializar seu comportamento e seu pensamento?
O primeiro processo de socialização é constituído pela ação dos pais e adultos em geral sobre a criança. Esta ação será eficaz na medida em que a criança experimentar pelos maiores um sentimento “sui generis”, misto de amor e de temor: o respeito. Piaget denominou de “imposição social” essa pressão espiritual (e às vezes material) dos maiores sobre os menores e de “respeito unilateral”, essa espécie de respeito que o inferior, o menor experimenta pelo superior (adulto) e que torna possível a imposição.
Quais os efeitos desse respeito unilateral?
Do ponto de vista moral, o respeito unilateral leva a criança considerar como obrigatórias as regras recebidas dos pais e dos maiores. Toda ordem que emana das “pessoas respeitadas” traduz-se na consciência dos pequenos sob a forma de ordem imperativa, com pleno êxito da autoridade daquelas. Na medida em que a moralidade é imposta do exterior, permanece heterônoma e conduz a uma espécie de legalismo ou de “realismo moral”, no qual os atos não são avaliados em função das intenções, mas do seu acordo exterior com a regra. Ora, o que dizer de certas coordenações e supervisões impondo regras sem discussão?
Do ponto de vista intelectual, o respeito unilateral torna igualmente possível a imposição do adulto sobre o pensamento da criança, com suas conseqüências positivas e negativas, sendo as últimas muito pouco conhecidas pela maioria dos educadores. O que sai da boca do adulto “respeitado” é imediatamente considerado certo, mas esta verdade de autoridade não somente exime a verificação racional, como também retarda, às vezes, a aquisição das operações lógicas, a  qual supõe o esforço pessoal e o controle mútuo dos interlocutores. Logo, o atraso do desenvolvimento das operações lógicas não se deve apenas à deficiência mental, auditiva ou visual, mas também ao tipo de relação entre o adulto e a criança. Não estaria faltando uma certa dose de interação entre os especialistas da área de educação, no sentido de facilitar a otimização dos processos de ensino e aprendizagem, com a avaliação dos procedimentos e dos resultados da aprendizagem oferecendo mais soluções do que constatações?
No caso da criança injustiçada, abandonada, esta imposição adulta, a partir de certa idade, não será mais aceita, com a primeira trilhando o caminho da oposição, da delinqüência e do crime, criando novas normas que passam existir à margem do socialmente aceito. Já no caso dos profissionais da educação, com consciência das injustiças que sofrem, a maior vítima será a criança ou o adolescente na situação de ensino e aprendizagem, porque a falta de integração das equipes e a infelicidade na situação de trabalho só podem redundar em prejuízos para o educando em particular e para a sociedade como um todo. Isto sem contar a rotatividade de trabalho, com o profissional [professor(a)} sem realização profissional.
  Mas, um segundo processo de socialização, ligado ao primeiro, desenvolve-se através da interação entre os pares, quando então a legalidade suplanta a autoridade. Neste caso, a imposição desaparece em proveito da cooperação e o respeito torna-se mútuo. Mesmo que a cooperação não se desprenda completamente de toda a imposição e inclusive o respeito não possa lograr uma completa reciprocidade, o segundo processo define um ideal, cujos efeitos são qualitativamente diferentes daqueles da imposição. Enquanto esta tem como resultado essencial impor regras e verdades completamente elaboradas, a cooperação ou ensaio de cooperação acarreta, ao contrário, a constituição de um método que permite ao espírito situar as normas acima da situação de fato. A situação de direito sobrepuja a situação de fato. Isto justifica plenamente a aprendizagem em cooperação.
Do ponto de vista moral, a cooperação conduz não simplesmente à obediência das regras, quaisquer que elas sejam, mas a uma ética da solidariedade e da reciprocidade. Esta moral caracteriza-se quanto à forma, pela aparição de um sentimento de bem estar interior independentemente dos deveres impostos do exterior, ou seja, por uma autonomia progressiva da consciência prevalecendo sobre a heteronomia (moral imposta) dos deveres primitivos. Quanto aos conteúdos, certas noções fundamentais, como de justiça, devem o essencial de seu desenvolvimento à cooperação gradual entre os iguais e permanecem, quase que inteiramente à margem da atuação dos adultos sobre a criança, quando então aparecem os primeiros sentimentos do justo e do injusto. A criança e o jovem abandonados têm clara consciência das injustiças de que são vítimas, indo encontrar cooperação e solidariedade entre seus pares, geralmente vítimas do vício, elegendo suas próprias normas opostas àquelas aceitas por aquele adulto que não se fez respeitar e que também não tem seus direitos respeitados pela distribuição justa dos bens culturais. Ora, uma norma legal sancionada sem antecipar os benefícios ou prejuízos  do público alvo torna-se algo temeroso.
Do ponto de vista intelectual, esta mesma cooperação entre os indivíduos conduz à crítica mútua e a uma objetividade progressiva. Cada sujeito pensante constitui, com efeito, um sistema de referência bem como de interpretação, cuja verdade resultará de uma coordenação entre esses pontos de vista. Pensar em função dos outros é, pois, substituir o egocentrismo do próprio ponto de vista e os absolutos enganos da imposição verbal por um método de relações verdadeiras, assegurando não somente a compreensão recíproca, mas também a constituição da própria razão. A este respeito, o produto essencial da cooperação é a própria “lógica das relações”, este instrumento de enlace que permite à criança livrar-se ao mesmo tempo tanto das ilusões perceptivas, mantidas pelo egocentrismo, como das noções verbais devidas à autoridade adulta mal compreendida. Além disso, o respeito mútuo, no plano da cooperação intelectual dos indivíduos, conduz a uma espécie de “moral do pensamento”, isto é, a observância de um certo número de regras, como por exemplo, o princípio da não contradição, ou seja, a obrigação de permanecer fiel às afirmações anteriores, que envolvem o próprio princípio de conservação e obediência a uma mesma escala de valores, tanto do ponto de vista formal quanto do real, em conformidade com a experiência objetiva.
Em resumo, tanto no domínio da lógica como no da ação e vida em comum, a solidariedade dos indivíduos impõe uma série de obrigações específicas bem diferentes daquelas que resultam da simples autoridade.
Para se compreender o mecanismo psicológico das diversas formas de autonomia é essencial, portanto, colocar-se, sem cessar, no tríplice aspecto do (a) egocentrismo dos indivíduos, (b) da imposição dos maiores ou de um texto legal injusto e (c) da cooperação entre os iguais ou companheiros de trabalho.
A autonomia é um procedimento de educação social que, como todos os demais, tende a ensinar os indivíduos saírem de seu egocentrismo, colaborar entre si submeter-se às regras comuns. Mas, este procedimento e suas diversas relações implicam uma série de combinações possíveis entre os dois processos: imposição e cooperação, cujos diferentes efeitos sobre o educando acabamos de assinalar. São estas relações complexas entre egocentrismo, respeito unilateral e respeito mútuo que parecem explicar a diversidade de resultados obtidos pelo método da autonomia, bem como daqueles obtidos pelo método da imposição.
Considerando-se a idade cronológica do educando, tem-se demonstrado que o método da autonomia adquire pleno rendimento a partir dos onze anos, em média, ainda que para certas atividades tenha sido aplicado com crianças de sete a oito anos.
Os estudos de Piaget (1932) demonstraram que até sete ou oito anos, a criança é pouco susceptível à cooperação em seus grupos espontâneos: oscila entre o egocentrismo e o respeito pelos maiores, ou melhor, mistura-os numa combinação “sui generis”. Ocorre, assim, nos jogos de regras em que as  crianças jogam sem cooperar realmente: cada um interpreta, ao seu modo, as regras que procedem dos maiores e todos ganham ao mesmo tempo. A partir dos sete a oito anos, ao contrário, há a vontade de cooperar: as regras começam a unificar-se, assim como o controle mútuo para reforçar a obediência aos maiores. A evolução da noção de justiça é característica desta idade. De 11 a 13 anos o período torna-se favorável à prática da autonomia, pois desde os onze anos a cooperação gradual das sociedades espontâneas das crianças alcança pleno desenvolvimento e uma obediência refinada às leis devido ao respeito mútuo, variável tão importante em qualquer contexto de trabalho. Quando se pede para a criança inventar novas regras do jogo, opõe-se a toda modificação dos modelos consagrados transmitidos pelos maiores, o que não impede, na prática, usar ao seu modo estas mesmas regras consideradas obrigatórias. Faz uso de dois discursos, um prático e outro teórico. A partir de dez ou onze anos, a criança admite inovações, mas submete-se a uma nova regra somente quando é aceita pela maioria. Neste caso, a regra é colocada em prática com escrupulosa lealdade e sanciona, com rigor, as infrações possíveis: sua submissão à lei é, pois, tanto maior quanto esta lei emanar do grupo de iguais e quando a personalidade autônoma de cada um participar na sua elaboração. Quando comparada com as crianças menores, o comportamento desta criança de dez a onze anos objetiva um novo tipo de estrutura social: o respeito mútuo fundado na autonomia dos iguais, engendrando a reciprocidade e a obediência profunda às regras, enquanto que o respeito unilateral, fundado na heteronomia dos menores em relação aos maiores, só mantém uma obediência superficial.
Quanto aos sexos, o estudo dos mesmos jogos sociais demonstrou que as meninas, nas mesmas idades correspondentes, são mais obedientes e mais conservadoras do que os meninos, apresentando menor interesse sistemático por esse aspecto da vida social. Contudo, esse é um aspecto que merece atenção dos pesquisadores entre nós, uma vez que as funções e papéis sociais da mulher já mudaram muito.
Os diferentes tipos de relações entre professores e alunos explicam, por outro lado, as várias extensões da autonomia nas escolas. Nem sempre se tem  observado paralelismo suficiente entre relações sociais que interessam à disciplina moral e as que determinam a disciplina intelectual. A vida social na escola constitui um todo inseparável do ponto de vista intelectual e moral e, em cada uma das atividades, por mais abstratas que possam ser (matemática, física, etc.), a criança e o adolescente podem oscilar entre o egocentrismo do pensamento, a submissão à autoridade do adulto (autoridade do discurso e da convicção) e a livre busca de personalidades autônomas  que colaboram umas com as outras. É evidente, então, que a extensão e o êxito da autonomia no plano da conduta moral do escolar depende, mais do que se supõe, dos métodos empregados no plano intelectual, que por sua vez dependem também do tipo de administração escolar e da supervisão ou coordenação das áreas específicas do conhecimento. O coordenador de área que respeitar a autonomia do professor lançará mão do diálogo e da decisão grupal na escolha do material didático, sem os viéses do poder de decisão. Estudos nossos, realizados tanto com crianças de pré-escola entre seis e sete anos, quanto da escola do Ensino Fundamental de 7-8 a 11-15 anos, demonstraram que o método de ensino voltado para a construção do significado através da coordenação de ações, com a criança inserida em grupos, trabalhando em cooperação, é o principal caminho levando à autonomia moral, intelectual e, conseqüentemente, maior auto-estima (Monteiro, 1976,1977, 1991, 1993, 1996). Outros estudos realizados pelos alunos do curso de mestrado em educação da Universidade Católica de Brasília, sobre a construção dos significados pela coordenação geral das ações através do jogo de regras, demonstraram paralelismo no desenvolvimento moral e intelectual da criança em classes de alfabetização (Póvoa, 1996; Mussi Ferrari, 1999). Na medida em que se dá maior participação à verdadeira atividade da criança, na livre investigação em comum, essa espécie de autonomia intelectual, que constitui a “educação ativa” da razão, favorece paralelamente o êxito da autonomia moral. Um estudo realizado com crianças de pré-escola (Monteiro, 1993), apesar do nível pré-operatório do desenvolvimento cognitivo, foi possível desenvolver o trabalho em cooperação entre os pares, com o nível alfabético na leitura e na escrita sendo atingido de maneira mais precoce, quando comparadas com as crianças transferidas para o grupo durante o segundo semestre do ano letivo. Isto vem demonstrar em que medida os problemas suscitados pela prática da autonomia afetam o problema central da psicopedagogia, isto é, o da ação de uns sobre os outros. Na realidade, diferentes relações sociais que unem adultos com as crianças, os maiores com os mais jovens, os líderes com os liderados, no caso de grupos de pares, levam a uma variedade de formas de autonomia, instrumento útil para a otimização dos processos psicopedagógicos. Numa equipe de trabalho, a autonomia de cada um deve resultar no bem estar do centro das atividades: a criança e o adolescente.
Considerando-se as sanções, efeitos divergentes são observados nos tipos opostos de relações sociais nos parâmetros da imposição e da cooperação.
O respeito unilateral, fonte da heteronomia, engendra e legitima, aos olhos da consciência, a idéia de sanção sob a forma expiatória, que faz corresponder ao ato delituoso, um castigo proporcional, mas sem relação de causalidade com a própria falta. Ao contrário, a cooperação, que repousa sobre a autonomia, coloca em questão o valor moral da idéia de sanção e tende a substituir o castigo propriamente dito por um sistema de medidas de reciprocidade, que demonstra simplesmente a ruptura dos laços de solidariedade em função do ato culpável: o transgressor é momentaneamente excluído do grupo, cujas regras violou. Contudo, todos os matizes são possíveis entre a sanção expiatória e a recíproca, dada a multiplicidade de relações sociais que interferem no seio do grupo escolar.
Concluindo, do ponto de vista da educação moral, a autonomia, sob condições sócio-culturais favoráveis, contribui para desenvolver, ao mesmo tempo, a personalidade do educando e seu espírito de solidariedade. A personalidade não se confunde com o eu e seu egocentrismo, mas é o próprio eu, enquanto se impõe uma disciplina, ou seja, enquanto aceita e encarna as normas coletivas. Nos métodos fundados na imposição e no respeito unilateral, a disciplina permanece, por muito tempo, exterior ao indivíduo; mesmo sendo aceita pela criança, não se integra ao seu eu, dando lugar apenas a uma obediência legalista sem adesão profunda, que rompe com facilidade mediante a percepção da injustiça. Com a imposição permanecendo exterior ao espírito, as condições terão resultados desfavoráveis para o próprio desenvolvimento da personalidade e da solidariedade. Submetido a uma pressão exterior, o indivíduo não logra a autonomia da disciplina interior que caracteriza a personalidade e, não interiorizando as regras, sai de seu egocentrismo somente em aparência, em vez de sentir solidariedade com todos. Inversamente, a disciplina própria da autonomia é, ao mesmo tempo, manancial da autonomia interior e da verdadeira solidariedade.
A prática da autonomia leva ao desenvolvimento paralelo da personalidade e formação do caráter. Contudo, trata-se de um processo que pode dar lugar a numerosas deformações, desde a estruturação de um comportamento excessivamente rígido (julgamentos severos nos tribunais escolares) até a obediência legalista sem adesão profunda, que se rompe facilmente mediante a percepção da injustiça.
Do ponto de vista intelectual, a autonomia desenvolve qualidades paralelas ao que significa respeito mútuo no plano moral: a compreensão recíproca e, sobretudo, a discussão objetiva, aquela que consiste no situar-se no ponto de vista alheio para avaliar os “pros” e os “contras” das opiniões expostas.
Piaget alerta que, de maneira geral, na proposta da educação moral e intelectual, é necessário insistir sobre os perigos da autonomia quando não é desenvolvida em uma atmosfera de compreensão psicológica, em uma palavra, de bom sentido (Piaget/Heller, 1968).
Considerando-se a educação social, especialmente a educação cívica e política, coloca-se o problema das relações entre a autonomia e os fins propostos por cada cultura em relação à educação da nova geração, desde que haja respeito pelos direitos de cada cidadão consciente de seus deveres. A diversidade de formas de autonomia torna possível a aplicação do método sob esse nome na maior parte dos sistemas de organização social em vigor nas sociedades civilizadas. A autonomia não se opõe ou prejudica o respeito pelos maiores, pois o respeito deve ser recíproco entre as gerações. A autonomia baseia-se na cooperação norteada por limites definidos nos parâmetros da justiça social. Contudo, com compreensão dos fatos, base da autonomia e da livre decisão, por esse método a juventude constrói sua própria educação (Idem, 1968). Na realidade, a colaboração com o adulto e a educação da juventude, por si mesma, preparam a inserção gradual das gerações em desenvolvimento nos valores da sociedade já construída pelos maiores, dado que tais valores possuem a flexibilidade suficiente para merecer as reflexões das gerações em cooperação. Ora, a aprendizagem cooperativa tem como base justamente a possibilidade de reflexão, a livre iniciativa e a troca de pontos de vista. A aprendizagem e o trabalho em cooperação, onde cada um coopera e compreende o que está em discussão, apresenta-se como o caminho para o próprio desenvolvimento e o maior rendimento do trabalho de equipe.


A Perspectiva de Vygotsky.

Ao considerar o valor do trabalho de grupo e da aprendizagem em cooperação, torna-se útil colocar tal discussão no contexto da crença de Vygotsky na origem social da aprendizagem (1978. In op.cit., 1995). Para ele a aprendizagem é essencialmente social em origem.
Vygotsky postulou que um especialista ou um par mais competente inicialmente guia a atividade de um aprendiz ou noviço; gradualmente, ambos começam a dividir ou partilhar funções na solução de problemas, com o noviço tomando a iniciativa e o par “expert” corrigindo e guiando quando o outro falha. Finalmente, o par “expert” cede o controle e age como um ouvinte de apoio. Vygotsky argumenta, além disso, que o engajamento nessas atividades conjuntas avança o nível de desenvolvimento do noviço, à medida que ele atravessa a “zona proximal de desenvolvimento”. Ele sugere que os limites do desenvolvimento situam-se entre (1) seu desenvolvimento real (o que ele pode fazer independentemente) e (2) o desenvolvimento potencial (o que ele pode fazer enquanto participante com outros mais capazes) (Idem). Enquanto essa perspectiva do desenvolvimento cognitivo parece descrever somente procedimentos de um par tutor, o modelo realmente advogado por Vygotsky, em seus escritos educacionais, a colaboração de pares, é também visto como vantajoso no processo sócio-cognitivo. Na colaboração de pares, indivíduos colaboram entre si na construção do significado pela internalização dos processos de pensamento implícitos nas interações e comunicações.  Este processo pode ser prontamente visto no diálogo bem construído. Aqui estudantes podem ser introduzidos em novos padrões de pensamento, quando  engajam em diálogos com os pares.
Com um tipo de preparação correta do estudante, neste tipo de processo de andaime (auxiliar), a participação orientada em atividades reunidas ajuda os estudantes assimilarem novas idéias (Bruner, 1986. In op. cit. 1995), que podem ocorrer num ambiente cooperativo de aprendizagem ou de pequenos grupos. No mínimo, é mais provável  que em tal ambiente, onde a interação social, a negociação e a partilha podem legitimamente ocorrer como o oposto a uma sala de aula mais tradicional, centrada no professor, com  as interações limitadas às  iniciadas pelo professor com estudantes individuais ou com toda a classe, sem o apoio do psicogeneticista na pessoa do psicólogo educacional ou escolar, que deveriam ter preparo suficiente para orientar e pesquisar os processos de aprendizagem e de ensino.



Conclusões:

Aprendizagem em cooperação é um empreendimento complexo, que leva tempo para ser aprendido, mas em nossa sociedade, gradativamente diversa e interdependente, é um procedimento de ensino e aprendizagem indispensável, que envolve mais estudantes com tarefas de aprendizagem para maiores períodos de tempo. Aprendizagem cooperativa efetivamente liga diferenças intelectuais de linguagem e de cultura entre estudantes e os ajuda a aprender a valorizar um ao outro, enquanto constrói sua auto-estima positiva. O mesmo pode ser dito sobre uma equipe de trabalho. Aprendizagem e trabalho cooperativo tira o professor do centro do palco e auxilia-o a dividir responsabilidades de aprendizagem com os estudantes, bem como com especialistas tanto nos processos quanto nos resultados do ensino e aprendizagem. Um largo corpo de pesquisa tem demonstrado a efetividade da aprendizagem em cooperação, sem contar os caminhos espontâneos da socialização e desenvolvimento da inteligência.
Acreditamos que nosso esforço para incorporar estratégias de aprendizagem em nossas salas de aula será recompensador tanto para o professor quanto para os estudantes, considerando-se o desenvolvimento da responsabilidade e da cooperação para a prática de uma verdadeira cidadania. A prática psicopedagógica com os aprendentes trabalhando em pequenos grupos heterogêneos promove o desenvolvimento moral, intelectual e afetivo. A cooperação é  base do desenvolvimento da personalidade e da própria inteligência. A escola passa a desenvolver sua função de modo pleno, onde a aprendizagem leva ao próprio desenvolvimento, desde que se possa reformular também os processos administrativos escolares. A coordenação de áreas de conhecimento em parâmetros mais transversais e rotativo entre os professores de cada nível e série, com base no respeito mútuo, na cooperação e na autonomia de cada um são condições necessária para a aprendizagem cooperativa atingir seus objetivos. Até o mobiliário escolar precisa mudar. O contacto entre os estudantes deve ser “face a face”. Mesas com possibilidades de trocas e construção de materiais possibilitam a cooperação entre os pares, com trocas de pontos de vista e descentração de perspectivas. A aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem num ambiente de discussão, de autonomia e de respeito mútuo.

Bibliografia


Battro, A. M. Dicionário Terminológico de Jean Piaget. S. Paulo:
Livraria Pioneira Editora. 1978.
            Brune, J. Actual Minds,Possible Worlds. Cambridge, MA: Harvard
                        University Press. 1986.
            Cohen, E.G. Cooperative Groupwork and Status Differences in the
Classroom. Executive Summary, 28-31. 1994. In Grisham.
D.L./Molinelli, P.M. Cooperative Learning. Westminster,
C.A.:Teacher Created Materials, Inc., 1995.
            Cuban, L. How Teachers Taught: Constancy and Change in American
Classroom. New York: Logman. In  Grisham, D.L./ Molinelli,
P.M. Cooperative Learning. Westminster, C.A. Teacher Created
Material, Inc. 1995.
            Dewey, J. The Educational Situation. Chicago Il.: University Press.
1904.
 Deutsch, M. A Theory of Cooperation and Competition. Human
Relations, 2, 129-152. Grisham, D.L./Molinelli, P.M. Cooperative
Learning. Westminster< C.A.: Teacher Created Material, Inc.
1995.
Ferreiro, E. et al. Cuadernos de Investigationes. Nº 10. Departo.

De Investigaciones Educativas. Centro de Investigación Y de

Estudios Avanzados del I.P.N. México, DF. Abril de 1983.
            Flesch, R. Why Johnny Can´t Read and What You can do About it.
New York: Harper. Grisham, D.L./Molinelli, P.M. Cooperative
Learning. Westminster, C.A.: Teacher Created MateriL, 1995.
            Gardner, H.Multiple Intelligences. The Theory in Practice. A Reader.

New York: Basic Books. 1993

            Goodland, J.I. A Place Called School. Prospects for the Future. San
Fancisco: McGraw Hill. In Grisham, D.L./Molinelli, P.M.
Cooperative Learning. Westminster, CA: Teacher Created
Materials, Inc. 1995
            Grisham, D.L. & Molinelli, P.M. Cooperative Learning. Westminster,
CA: Teacher Created Materials, Inc. 1995.
            Hertz-Lazarowitz, R. Sarna, S. & Steinberg, R. Classroom Learning of
Elementary School Children. Journal of Educational Psychology,
72. 97-204. In Grisham, D.L./Molinelli, P.M. Cooperative
Learning. Westminster, CA: Teacher Created Material, 1995
Johson, D.W., & Johson, R.T. Learning Together and Alone.
Englewood Cliffs, New York: Prenctice, Hall. 1987. In Grisham,
 D.L./Molinelli, P.M. Cooperative Learning. Westmnster, CA:
Teacher Created Materials, Inc, 1995
Johson, D.W., Maruyama, G., Johson, R., Nelson, D. & Skon, L. Effects
of Cooperative, Competitive and Individualistic Goal Structures
and Achievement: A Metacognition Analysis. Psychological
Bulletin, 89, 47-62. 1981. In Grisham, D.L./Molinelli, P.M.
Cooperative Learning. Westminster, CA: Teacher Created

Materials, 1995

            Johson, D.W., Johson, F.R., Holubec, E.C. & Roy, P. Circles of
Learning. New Brighton, MN: Interaction Book Company. 1984.
InGrisham, D.L./Molinelli, P.M. Cooperative Learning.
 Westminte, CA: Teacher Created Materials, 1995
            Johson, D.W. & Johson, R. Social Interdependence & Perceived
Academic and Personal Support in the Classroom. Journal of
Social Psychology, 120. 77-82. 1983.

            Madden, N.A. & Slavin, R. Cooperative Learning and Social

Acceptance of Mainstreamed Academically Handicapped
Students. Journal of Special Education. 17. 171-182. In Grisham,
 D.L./Molinelli, P.M. Cooperative Learning. Westminster, CA:
Teacher Created Materials.1995.
            Monteiro, M.T. de Lima. Efeitos da Modelação e Reforçamento
Diferencial Sobre o Comportamento Verbal. Anais da 28º
Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência. Resumos. Seção 4. Ciências da Vida. 4.3.Psicologia. p.
626. OEA. 1976.
            Monteiro, M. T. de Lima. Efeitos do Reforçamento por Pontos Sobre o
Comportamento Acadêmico através de Plano de Linha Base
Múltipla. Anais da 28ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira
Para o Progresso da Ciência. Seção 4. Ciências da Vida. 4.3.
Psicologia. P. 625. OEA. 1976.

            Monteiro, M.T. de Lima.Reforçamento do Comportamento Acadêmico

com o Professor sob Aconselhamento Psicológico. Anais da 28ª
Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência. Seção 4. Ciências da Vida. 4.3. Psicologia., p.625. OEA.
1976.
            Monteiro, M.T. de Lima. Programmed Instruction of  the Decimal
Number with Variations of Stimulus Control and Reinforcement.
Fortaleza. De 6 a 13 de julho. 1977. Anais da 29ª Reunião Anual
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Seção G.
Ciências da Vida. G.2. Psicologia. P. 835. Geórgia State
University. USA.
            Monteiro, M.T. de Lima. Desenvolvimento Moral e Violência Social.
Textos Para Discussão. Ano 2, Nº 2, março de 2000. Brasília:
Universa Editora. Série Psicologia.
            Monteiro, M. T. de Lima. O Conceito de Número através de Atividades

Coordenadas Segundo os Princípios do Grupo. II Encontro de

Educação Matemática. IME-USP e FED-USP. S.Paulo, SP. 1991.
            Monteiro, M.T.de Lima. Learning to Read and Write Through Child´s
Natural Interaction and Expression. XII Biennial Meetings of the
International Society for the Study of Behavioral Development.
19-23. July, 1993. Recife. Brasil.
            Monteiro, M.T. de Lima. A Construção das Operações e as Tabuadas .
Congresso Internacional de Genebra pelo Centenário de
Nascimento de Jean Piaget. The Growing Mind. September 14-
18, 1996.
            Monteiro, M.T. de Lima. Cognição e Afetividade: Avaliação do Clima Emocional
em Sala de Aula. XVI Encontro de Professores do PROPRE. Programa de
Educação Infantil e Ensino Fundamental.  Educação. Escola e Autonomia.
Campinas, SP: UNICAMP-FE-LPG. 1999.
            Murchison, C. (Ed.) Psychologies of 1930. Worcester, MA: Clark

 University. In Tryphon, A & Vonèche, J. (Eds).Piaget -

Vygotsky. The Social Genesis of Thought. UK: Psychogy

Press, 1996.
            Mussi Ferrari, E.M. A Integração do Deficiente Mental Leve no Ensino
Regular. Univ. Católica de Brasília-UCB 1999. Dissertação de
Mestrado não publicada. Brasília, DF.
            Piaget, J. The Child´s Conception of Physical Causality. London:
Troutledge & Kagan Paul (Original Work Published 1927). In
Tryphon, A. & Vonèche, J. (Eds).Piaget - Vygotsky. The Social
Genesis of Thought. UK: Psychologial Press, 1996.
            Piaget, J. The Origins of Intelligence in Children. New York:
International Universities Press. (Original work published 1936).
In Tryphon< A & Vonèche, J. (Eds). Piaget - Vygotsky. The Social Genesis of Thought.. UK:
Psychological Press, 1996.
            Piaget, J/Inhelder, B. A Representação do Espaço na Criança. Porto
Alegre: Artes Médicas. 1993. (Edição francesa de 1981).
            Piaget, J./Heller, J. La Autonomia en La Escuela. Buenos Aires:
Editorial Losada, S.A. 1968. 6ª Edição.
            Piaget, J. O Juízo Moral na Criança. S. Paulo:Summus Editorial 1932.
            Piaget, J. O Raciocínio na Criança. R. de Janeiro: Distribuidora Record.
1967.
            Piaget, J./Inhelder, B. Gênese das Estruturas Lógicas Elementares. R. de
Janeiro: Zahar Editores. 1971.
            Póvoa, M.L. de Souza. Importância dos Jogos de Regras na
Aprendizagem e no Desenvolvimento da Autonomia. Estudo
comparativo em Turmas de Alfabetização. UCB. Brasília. Março
de 1996. Dissertação de Mestrado não publicada.
            Slavin, R.E. Cooperative Learning. New York:Logman. 1983. In
Grishan,D.L./ Molinelli, P.M. Cooperative Learning. West
Minster, CA: Teacher Created Materials, 1995.
            Slavin, R.E. Research on Cooperative Learning: Consensus and
Controversy. Educational Leadership, 47 (4), 52-54, 1990.
Grisham, D.L./Molinelli, P.M. Cooperative Learnig.
Westminster, CA: teacher Created Materials. 1995.
            Stivers, E.H. An Overall View. In E.H. Stivers & S. Wheelan (Eds).
The Lewin Legacy: Field in Current Practice. New York:
Springer-Verlag. In Grisham, DL./Molinelli, P.M., Cooperative
Learning. Westminster, CA: Teacher Created Materials. 1995.
            Schemeck, R.A. The Second Handbook of Organization Development
in Schools. Palo Alto, CA: Mayfield Publishing Co. 1977. In
Grisham, D.L./Molinelli, P.M.Cooperative Learning.
 Westminster, CA: Teacher Created Materials, 1995.

            Sharan, S. Integrated Thematic Units. Westminster, CA: Teacher

Created Material. 1980. In  Grisham, D.L./Molinelli, P.M.
 Cooperative Learning. Westminster, CA.: Teacher Created
Materials. 1995.
            Slavin, R. E. Cooperative Learning. New York: Logman. 1983. In
Grisham, D.L./Molinelli, P.M. Cooperative Learning.
Westminster, CA.: Teacher Created Materials. 1995
            Trujillo, M.F.Ferreira. O Desenvolvimento Moral na Criança: A
 Mentira na Criança Deficiente Auditiva e na Ouvinte.
Universidade Católica de Brasília- UCB. Junho de 1997.
Dissertaçãode Mestrado não publicada.
            Vygotsky, L.S. Mind in Society. Cambridge, MA: Harvard University
Press. 1978. In Grisham, D.L./Molinelli, P.M. Cooperative
Learning. Westminster, CA. Teacher Created Materials. 1995.
           

Brasília, 09 de fevereiro de 2001.
__________________________________
 Maria Therezinha de Lima Monteiro, Ph.D.



[1] Doutoramento em Psicologia Educacional pela “Georgia State University” e “Emory University”, Atlanta, Georgia State, USA, 1973; Mestrado em Aconselhamento Psicológico em Escolas de Ensino Fundamental pela Georgia State University, Georgia State University, Atlanta, Georgia State, USA, 1971.  Professora de Epistemologia Genética do Curso de Mestrado em Educação, Universidade Católica de Brasília. Professora Colaboradora do Curso de Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Brasília. Profa. na UCB de 1963 à data atual.
[2] Influenciado por Flournoy, Piaget considerou a libido como uma energia geral neutra, que se manifesta de diferentes modos na produção cultural. Não admite limites entre a psicanálise e a psicologia, pois consciente e inconsciente estão intimamente ligados Na palestra proferida em 1920, “A Psicanálise e suas Relações com a Psicologia da Criança”, focalizou a teoria de Freud e suas implicações no inconsciente. Fez diferenciação de dois tipos de funcionamento da inteligência: o simbólico e o lógico. O inconsciente cognitivo é paralelo ao inconsciente afetivo de Freud, mas Piaget fala de inconsciência e não de área topográfica fixa. Teceu críticas ao pan-sexualismo de Freud, invertendo a teoria da sublimação: energia geral e não sublimação. Acentua que Freud esclareceu as anomalias do desenvolvimento,mas o desenvolvimento moral ficou na obscuridade em seus escritos (cf. Monteiro, XVI Encontro de  Professores do PROEPRE - Educação, Escola e Autonomia. 1999).
[3] Realismo nominal, segundo a abordagem de Piaget, é a indiferenciação inicial na construção do conhecimento entre significantes e significados (cf. Piaget, Concepção de Mundo na Criança, 1928).
[4] Fabulação ocorre quando a criança, sem refletir, responde à questão inventando uma história na qual não crê ou na qual crê por simples treino verbal. Consiste em criar uma realidade pela palavra (Battro, Antônio M. Dicionário Terminológico de Jean Piaget. S.Paulo: Pioneira. 1978.

Nenhum comentário:

Postar um comentário