O uso das práticas de atenção plena (mindfulness) nos
ambientes educacionais tem se tornado cada vez mais frequente em todo o
mundo. Sabe-se que elas ajudam os estudantes a aprimorar a atenção em
classe, a regular melhor suas emoções e a adquirir maior habilidade nas
inter-relações sociais. Mas, para entendermos esses efeitos, precisamos
saber primeiro o que é atenção plena e como ela atua, gerando tantas
consequências desejáveis para estudantes e educadores.
Mindfulness é uma palavra da língua inglesa que não tem um equivalente exato em português. O adjetivo mindful se refere a quem está atento ou consciente de alguma coisa, e mindfulness seria assim o estado de estar atento, de estar consciente. Em termos operacionais, mindfulness
tem sido definida como a consciência do momento presente, quando
fixamos nele nossa atenção voluntária, suspendendo qualquer julgamento
sobre o que aparece em nosso fluxo de consciência e deixando fluir as
experiências ao longo do tempo. Ou seja, como o momento presente é
fugaz, mantemos a atenção plena na sequência de momentos presentes, da
maneira como eles se apresentam à nossa consciência.
As práticas de mindfulness são um tipo de meditação e isso
requer algumas considerações. O termo “meditação” designa um grupo de
técnicas utilizadas para treinar a atenção, com o intuito de cultivar
vários estados mentais positivos. Existem muitos tipos de meditação e,
embora usualmente a associemos com o budismo, ela tem sido utilizada ao
longo dos séculos por várias tradições espirituais, como o hinduísmo, o
taoismo, o judaísmo e mesmo o cristianismo. A meditação, no entanto, pode ser
praticada em um contexto totalmente secular, sem nenhuma conotação
religiosa.
Pesquisas científicas recentes têm demonstrado que a sua
rotina produz modificações na estrutura e no funcionamento do cérebro
que podem trazer benefícios para os indivíduos e também para o ambiente
social.
Modificações no cérebro
Muita gente acredita que meditar é esforçar-se para deixar a “mente
vazia”, totalmente sem pensamentos, o que é praticamente impossível. Na
verdade, na meditação procura-se dirigir e manter o foco da atenção
consciente em um objeto, que pode ser interno – como pensamentos,
emoções e estados corporais – ou externo, como estímulos sonoros ou
visuais. Ao mesmo tempo, é importante manter o estado de alerta (não
sonolência) e o relaxamento corporal. O objeto da atenção pode ser
variado, mas é muito frequente que ele seja a própria respiração. A
atenção mantida na respiração traz o fluxo da consciência para o momento
presente e dificulta a divagação mental, essa tendência natural que tem
a nossa mente de devanear, lembrando-se ou fazendo planejamentos todo o
tempo em que não estamos engajados em uma tarefa que exige esforço
intelectual. A divagação mental é o principal obstáculo a ser contornado
por quem está empenhado em meditar.
Muitos pesquisadores têm se interessado pelo estudo da meditação,
principalmente nas duas últimas décadas, e conseguido demonstrar que ela
produz modificações fisiológicas que se refletem na psicologia da
cognição e no processamento emocional, constituindo um exemplo eloquente
das influências recíprocas entre o corpo e a mente. Aqui é importante
deixar claro que o que chamamos de mente – como o nosso fluxo de
consciência – são processos que decorrem do funcionamento do cérebro.
Não pode existir uma mente sem um cérebro em funcionamento; contudo, a
atividade mental pode, por sua vez, modificar o próprio cérebro, numa
interação bidirecional que só agora começamos a compreender de forma
mais adequada.
Técnicas avançadas para a pesquisa em neurociência, como a
ressonância magnética funcional, têm mostrado que várias estruturas
cerebrais são modificadas pela prática da meditação. O córtex
pré-frontal, a região cortical situada na parte mais anterior do
cérebro, é uma delas. Outras regiões afetadas são, por exemplo, o
cíngulo anterior, a ínsula e a amígdala cerebral. Geralmente, a
meditação promove um aumento da espessura cortical, indicando que houve
um acréscimo de prolongamentos das células nervosas e nas conexões
sinápticas dessas regiões. Ocorrem também alterações nas vias que ligam
algumas dessas estruturas a outros centros nervosos. Tudo isso modifica o
funcionamento cerebral: algumas funções são facilitadas, enquanto
outras são inibidas. Em outras palavras, o cérebro que medita se torna
diferente na sua maneira de interagir com os estímulos, sejam eles
internos ou ambientais.
A prática de mindfulness envolve treinar a atenção
voluntária, portanto é de esperar que ocorra alteração na capacidade
atencional da pessoa que medita. E isso é precisamente o que ocorre. O
esforço em focar a atenção promove modificações nos circuitos que a
sustentam e no córtex do cíngulo anterior, o que aumenta a habilidade de
permanecer consciente do momento atual: a capacidade de estar realmente
presente, e não perdido em divagações. Muitas pesquisas têm mostrado
que a atenção executiva, que nos permite manter a concentração, inibindo
estímulos e comportamentos distraidores, torna-se mais eficiente
naqueles que meditam. Trata-se de uma forma de aprendizagem que ocorre
por meio da neuroplasticidade, a capacidade que o cérebro tem de
reorganizar-se constantemente. O efeito benéfico sobre a atenção pode
ser observado já com poucos dias de prática meditativa. Como resultado,
ocorre também aperfeiçoamento da memória operacional, o que pode levar,
por exemplo, à melhora do desempenho escolar.
Redução do estresse
Outro efeito relevante da prática de mindfulness é uma
modificação na reatividade emocional: as pessoas que meditam costumam
ser menos tomadas por impulsos emocionais e, quando isso acontece,
conseguem retornar à normalidade mais rapidamente. As pesquisas sugerem
que isso decorre de um maior controle da região pré-frontal sobre a
amígdala cerebral. Essa última estrutura é responsável por detectar
situações com significado emocional e desencadear as respostas
periféricas que caracterizam nossa resposta a essas situações. A
meditação provoca alterações estruturais e funcionais na amígdala,
diminuindo sua atividade. Por outro lado, o controle pré-frontal faz com
que a regulação consciente tenha uma ação mais efetiva ou, em outras
palavras, que os processos racionais intervenham no processamento
emocional.
Nesse contexto, é interessante notar que a prática de mindfulness
tem um papel considerável na redução do estresse e dos seus efeitos
nocivos na saúde e no comportamento. Ao longo do processo evolutivo,
nosso cérebro desenvolveu-se de forma a enfrentar situações de perigo,
que mobilizam as emoções, iniciando em nosso corpo muitas respostas
fisiológicas que o preparam para enfrentá-las. Por exemplo, o coração
dispara, a pupila dilata-se, o sangue foge do intestino e da pele,
dirigindo-se para os músculos e o cérebro. Essas são respostas
desencadeadas por uma parte do sistema nervoso que se dirige aos nossos
órgãos internos, que leva o nome de sistema nervoso simpático. Nessas
situações, uma porção distinta do sistema nervoso visceral, o sistema
parassimpático, é inibida (o parassimpático é utilizado em situações de
calmaria, quando estamos, por exemplo, digerindo uma refeição). Uma
resposta adicional, característica das situações de perigo, é a secreção
de um hormônio da glândula suprarrenal, o cortisol, que tem ações que
ajudam a preparar o organismo para enfrentar emergências. Essas
respostas são vantajosas quando o indivíduo precisa livrar-se de uma
ameaça passageira. Contudo, quando o estresse se torna muito frequente
ou constante, as modificações fisiológicas que eram benéficas passam a
ser um problema, pois agem promovendo efeitos nocivos. Podem ocorrer,
por exemplo, distúrbios cardiocirculatórios, como hipertensão arterial, e
psicológicos, como ansiedade e depressão.
A prática de mindfulness, observou-se, promove diminuição da
atividade simpática e aumento da parassimpática. Os níveis do cortisol
na circulação sanguínea são diminuídos e o sistema imunológico,
responsável pela defesa do organismo, é estimulado, pois aumenta a
concentração de anticorpos no sangue. Em síntese, a meditação provoca
modificações fisiológicas que reduzem o estresse e protegem o organismo
contra suas ações nocivas.
“Momento
mindfulness” em uma sala de aula em Odenton, Maryland, nos Estados
Unidos (Crédito: Amy Davis/ZUMA Press/Corbis/latinstock)
Diminuição da violência
Outro resultado da prática de mindfulness é um aumento da
consciência corporal, a capacidade de perceber as sensações que ocorrem
no próprio corpo. Provavelmente, isso decorre de alterações que a
meditação provoca na ínsula, uma região cortical que recebe as
informações corporais que têm um valor hedônico, ou seja, as sensações
que são agradáveis ou desagradáveis. Na ínsula se tornam conscientes
sensações dolorosas, mas ela também processa, por exemplo, as
informações sensuais, decorrentes da atividade sexual.
A ínsula tem sua espessura aumentada pela atividade de mindfulness
e torna-se mais ativa naqueles que meditam. O resultado é um aumento da
capacidade de perceber prontamente e com clareza as respostas corporais
desencadeadas pelas emoções, o que permite que possamos regulá-las de
forma mais adequada.
As emoções são inevitáveis, elas acontecem e são essenciais no nosso
cotidiano, mas é importante que saibamos identificá-las oportunamente
para poder responder a elas de forma positiva nos diversos contextos
sociais. Isso constitui o que chamamos de inteligência emocional.
A ínsula tem também um papel relevante no fenômeno da empatia: a
habilidade de perceber as emoções alheias e se identificar com elas. A
empatia é importante, por exemplo, porque pode levar à diminuição da
agressividade e ter um efeito benéfico na regulação das interações
sociais. Portanto, a prática de mindfulness, por suas ações nos
circuitos nervosos envolvidos com as emoções, pode melhorar o ambiente
social, contribuindo, por exemplo, para a diminuição da violência que se
observa em alguns espaços escolares.
Melhora da autoestima
Outra característica decorrente da prática de mindfulness
que merece ser referida é a modificação da autopercepção. Os
meditadores, ao observarem o seu fluxo de consciência, notam que os
conteúdos que passam pela mente – pensamentos, sentimentos e emoções –
são transitórios e estão em permanente mudança e que não há necessidade
de se sentir enredado por eles. Não há uma identificação automática com
os conteúdos da consciência e ocorre um processo de distanciamento do
“eu” tradicional. Isso permite uma autorrepresentação mais positiva,
melhora da autoestima e maior aceitação de si mesmo, com aumento da
sensação de bem-estar. Os pesquisadores acreditam que essas modificações
são decorrentes da menor ativação do chamado “circuito cerebral
padrão”, responsável pela divagação mental, pois esta é usualmente
autorreferente e nos prende a uma autopercepção automática e acrítica.
Em síntese, pode-se dizer que a prática de atenção plena atua nas
chamadas funções executivas do cérebro, promovendo um aumento da
autorregulação por suas ações no controle da atenção, na regulação
emocional e nos processos da autoconsciência. A autorregulação é a
capacidade que nos permite atingir nossos objetivos da maneira mais
adequada ao longo de toda a vida, e os dados disponíveis mostram que
essa habilidade tem alta correlação com vários aspectos positivos como o
desempenho escolar, a manutenção da saúde ou a boa escolha profissional
e correlação negativa com problemas com o uso de drogas ou
transgressões legais.
A capacidade de autorregulação é variável entre as pessoas, mas pode
ser aprendida e, portanto, é desejável que se busque aprimorá-la por
meio da educação. Na verdade, isso corresponde ao que chamamos de
aprendizagem socioemocional: o desenvolvimento de competências como a
autogestão, a autoconsciência, a consciência social, as habilidades
relacionais e as tomadas de decisão conscientes. Essas competências são
estimuladas pela meditação, e essa é uma razão muito convincente para
que ela seja introduzida no processo educacional. Existem, em todo o
mundo, muitas experiências da prática de mindfulness em ambientes escolares, e vários estudos já constatam os resultados positivos dessa introdução.
Benefícios para professores
No ambiente escolar, é interessante que os professores tenham familiaridade com a técnica de mindfulness
para que possam transmiti-la aos alunos. Aliás, existem dados mostrando
que professores que meditam conseguem mudanças no comportamento dos
alunos mesmo que estes não estejam envolvidos nas práticas de atenção
plena. O que acontece é que os professores ganham habilidades interiores
como autoconhecimento e alívio do estresse e transmitem aos alunos
calma e atenção compassiva, criando uma atmosfera de aceitação, cuidado e
encorajamento.
Sabe-se que a atividade profissional dos professores é uma das mais
sujeitas a altos níveis de estresse, o que faz com que, frequentemente,
eles sejam levados ao esgotamento (burnout). A prática de mindfulness
pode ajudá-los na redução desse estresse, na melhoria do equilíbrio
emocional e das relações interpessoais, além de contribuir para a
sensação de bem-estar. Tudo isso, é claro, conduz ao aprimoramento do
ambiente escolar.
Quanto à prática de atenção plena com as crianças, já existem muitas
atividades especiais que levam em conta as diferentes faixas etárias.
Assim, são contempladas as diferentes fases do desenvolvimento e não se
exige, por exemplo, que as mais jovens tenham de permanecer imóveis ou
concentrar-se na respiração por longo tempo, o que, naturalmente, é
difícil para elas. O importante é fazer com elas aprendam a dirigir sua
atenção e a ignorar distrações. Que aprendam a observar o próprio corpo,
suas sensações e emoções e sejam capazes de lidar com elas com clareza e
objetividade. Devem aprender a ser pacientes e generosas, a saber viver
em grupo, em equilíbrio com outras pessoas e com o ambiente.
É comum pedirmos aos estudantes que prestem atenção, mas usualmente
não se ensina a eles como fazer isso. Assim como não se ensina a
controlar os impulsos, ou a empatia e gentileza para com os outros. A
escola já tem uma grande carga com o conteúdo curricular e não sobra
muito tempo para observar aspectos importantes, como o emocional ou o
social, que são indispensáveis para o verdadeiro crescimento dos alunos.
Integrar a atenção plena ao processo educacional pode contribuir para o
desenvolvimento desses aspectos, e o que se observa como resultado é um
melhor desempenho escolar, menor impulsividade, maior sensação de
bem-estar e eficiência nas funções executivas. Contudo, é importante
evitar que a prática de meditação seja outra atividade compulsória a que
os estudantes são obrigados a se submeter, pois isso, além de
contraproducente, seria contrário à própria essência da prática.
Meditar é uma habilidade muito simples, mas que não é tão fácil como
parece à primeira vista, pois não acontece de repente: exige disciplina e
regularidade. É como aprender a nadar ou a tocar um instrumento
musical, o que demanda exercício dedicado e constante. Jon Kabat Zin,
iniciador de programas de mindfulness nos Estados Unidos,
sustenta que meditação de atenção plena não é uma técnica, mas uma
maneira de existir. Uma maneira de ser que em essência busca estar em
sintonia com a própria experiência do momento presente, com clareza,
aceitação e serenidade. É algo de que necessitamos no mundo conturbado
em que vivemos e que merece ser levado às novas gerações.
Fonte: http://www.revistaeducacao.com.br/pratica-de-mindfulness-no-ambiente-escolar-pode-trazer-beneficios-a-alunos-e-professores/
Acesso: 04 fev. 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário