EPISTEMOLOGIA GENÉTICA E O ENSINO DE CIÊNCIAS
ESPISTEMOLOGY
GENETIC AND TEACHING OF SCIENCES
Marcelo Carbone Carneiro 1
Antonio Carlos Jesus Zanni de
Arruda 2
1 UNESP
Bauru/Pós-Graduação em Educação para a Ciência/carbone@faac.unesp.br
2 UNESP Bauru/ Pós-Graduação
em Educação para a Ciência/arrudafilosofia@hotmail.com
RESUMO
Trata-se de discutir a
Epistemologia Genética, que entende o conhecimento como uma construção e suas
implicações pedagógicas na educação e no ensino de Ciências.
Palavras-chave: Epistemologia e Ensino de Ciências
ABSTRACT
Is
discussed Epistemology Genetic, that understands the knowledge as a
construction and your pedagogic implications in the education and in the
teaching of Sciences.
Keywords: Epistemology and Teaching of Sciences
O conhecimento é uma construção progressiva, cabendo
tanto à Escola, quanto ao professor, oferecer aos indivíduos, condições e
métodos apropriados, para que estes construam progressivamente o conhecimento,
onde os conteúdos sejam assimilados pelo sujeito pela ação.
Em seu texto “Para Onde vai A Educação?”, Piaget
(1976) faz considerações interessantes e atuais sobre o ensino de ciências.
Piaget
constata que há um número muito baixo de alunos que optam pela carreira na área
de ciência. Isso em parte é justificado pelo fato de as escolas oferecerem uma
preparação predominantemente literária, em comparação com as profissões de
formação científica e pelo fato das aulas de ciências não seduzirem seus alunos
(são aulas centradas em fórmulas prontas e transmitidas sem o mínimo de
problematização).
Percebe-se,
então, que não é simplesmente uma questão de conteúdo, mas de didática,
metodologias e posturas pedagógicas no ensino científico.
Piaget propõe
a utilização de métodos ativos para o ensino em geral e, em particular, para o
ensino de ciências.
O método
ativo no ensino de ciências confere ao sujeito (aluno) um papel fundamental
para a construção do conhecimento, pois permite que toda a verdade adquirida
seja reinventada pelo aluno ou pelo menos reconstruída e não simplesmente
transmitida.
Diz
Piaget:
Se existir um setor no qual os métodos ativos se
deverão impor no mais amplo sentido da palavra, é sem dúvida o da aquisição das
técnicas de experimentação, pois uma experiência que não seja realizada pela
própria pessoa, com plena liberdade de iniciativa, deixa de ser, por definição,
uma experiência, transformando-se em simples adestramento, destituído de valor
formador por falta da compreensão suficiente dos pormenores das etapas
sucessivas1
Piaget entende a experiência como indispensável para
o Ensino de Ciências, porém, a experiência na forma de ações conscientes por
parte do aluno, onde a história da ciência figura como elemento imprescindível.
Esta escola
ativa deve considerar o conhecimento do processo de aquisição das noções e
conceitos na criança. Se o conhecimento é uma construção, a educação deve ser
construção e não transmissão, tal como os pressupostos epistemológicos do
empirismo consideram.
Neste método,
é evidente que o educador continua indispensável, para criar as situações e
armar os dispositivos iniciais capazes de despertar problemas úteis à criança e
organizar contra-exemplos que levem à reflexão e obriguem ao controle das
soluções. O que deseja é que o professor deixe de ser apenas um conferencista e
que estimule a pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com soluções já
prontas. Entretanto, é preciso que o professor de ciências não se limite ao
conhecimento da sua ciência, mas esteja muito bem informado a respeito das peculiaridades
do desenvolvimento psicológico da inteligência da criança ou do adolescente.
A elaboração
de um ensino “moderno” consistiria em falar à criança na sua linguagem antes de
lhe impor uma outra já pronta e abstrata e, sobretudo, levar a criança a reinventar
aquilo de que é capaz ao invés de limitar a ouvir e repetir.
Segundo Piaget
(1976), ao passar para as ciências experimentais, observa-se a falha das
escolas tradicionais, que negligenciam a formação dos alunos no tocante à
experimentação. Neste campo, mais do que em outros, os métodos ativos deverão
ser impostos no mais amplo sentido da palavra, pois uma experiência que não
seja realizada pela própria pessoa, com plena liberdade de iniciativa, deixa de
ser, por definição, uma experiência, transformando-se em simples adestramento,
destituído de valor formador por falta da compreensão suficiente.
Em resumo, o
princípio fundamental dos métodos ativos pode ser expresso: compreender é
inventar ou reconstruir.
A educação não
pode prescindir da análise epistemológica que desvele os conceitos que
fundamentam a prática escolar.
Piaget (1976,
24) propõe que o educador tenha conhecimentos de epistemologia, psicologia da
inteligência etc, além do domínio dos conteúdos específicos. A ação do educador
será tanto melhor quanto mais dominar os processos de aquisição do
conhecimento.
Este domínio
permite ao educador compreender o porquê as crianças possuem dificuldades de
aprender e, a partir disto, planejar intervenções que tornem possível o
desenvolvimento desta noção.
Pressupostos Epistemológicos das teorias na Educação
Em relação à
postura e adoção de pressupostos pedagógicos na relação ensino-aprendizagem em
sala de aula, a primeira questão que o professor deveria levar em conta é:
que cidadão ele quer que seu aluno seja? Um individuo subserviente,
dócil, cumpridor de ordens sem questionar o significado das mesmas, ou um
individuo pensante, crítico, operativo que, perante cada nova encruzilhada
prática ou teórica, pára e reflete, perguntando-se pelo significado de suas
ações futuras e, progressivamente, das ações do coletivo onde ele se insere?2.
Neste sentido,
há que se demonstrar a existência de três diferentes maneiras de se representar
à relação ensino-aprendizagem, as quais apresenteremos a seguir:
- A Pedagogia
Diretiva e seu fundamento epistemológico
Há um
estabelecimento neste modelo de uma relação em que o professor acredita
piamente que o conteúdo deve ser tão somente transmitido ao aluno. É o chamado
“mito da transferência”, pois o aluno não domina o que denominamos de
conhecimento sistematizado, sendo o professor a autoridade máxima neste
contexto, já que se preparou para tal.
Para se obter
sucesso nesta relação, há a necessidade de um estabelecimento de relações de
poder, onde o professor possua controle sobre a sala de aula, não somente no
que se refere ao conteúdo e à disciplina comportamental, mas, também, na
disposição espacial de seus alunos, bem como o enfileiramento de carteiras.
Percebe-se,
então, uma grande passividade por parte dos alunos, pois eles terão de
assimilar não só o conteúdo ministrado, mas reconhecer, na pessoa do professor,
a máxima autoridade.
Do ponto de
vista epistemológico, tal relação se caracteriza por enxergar o aluno como uma
“tabula rasa”, desde o nascer até suas posturas sobre novos conhecimentos e
que, portanto, a realidade ou o meio social determinará o que será importante
em sua formação, no caso o professor. Essa posição denomina-se como Empirista,
melhor dizendo, que o mundo externo (experiência) imprime no sujeito a
validação do conhecimento.
Mas
quais as conseqüências de se adotar tal postura?
Observamos a
reprodução de uma ideologia de ausência de criatividade, de autoritarismo, de
não estimulação e de conservação de velhas posturas e respostas, dando uma
impressão de que não há nada de novo.
No aluno, o
acabamento desta ideologia, apresenta-se de maneira perversa, pois acaba
abrindo mão do refletir, do questionar, do buscar alternativas, abrindo mão de
sua cidadania, transformando o processo de ensino-aprendizagem em
“faz-de-conta”, já que o professor finge que leciona e os alunos fingem que
aprendem.
2. A Pedagogia não-diretiva e seu fundamento epistemológico
Este modelo se
faz mais presente em fundamentos epistemológicos do que propriamente em uma
relação ocorrida em sala de aula.
Vale-se de que
o aluno possui estruturas a priori para
aprendê-lo. Estas estruturas estariam em sua bagagem genética, desenvolvida ou
não. E que, então, para aprendê-lo, o professor seria um mero estimulador
dessas estruturas e que sua interferência deveria ser a mínima possível. Neste
sentido, soariam frases do tipo: “Ninguém
pode transmitir. É o aluno quem aprende”. Outro professor afirma: “Você não transmite conhecimento. Você
oportuniza, propicia, leva a pessoa a conhecer”. (Becker,2001)
Esta
epistemologia denominada de apriorista prevê que o ser humano já está
programado por uma herança genética.
Na prática
pedagógica, o professor renuncia à intervenção no processo de
ensino-aprendizagem, gerando certo “laisser-faire”.
A combinação
epistemológica e pedagógica nesta postura gera uma falsa liberdade, pois não há
um estabelecimento de limites, tudo acaba virando válido, além do que, levar em
conta tão somente a bagagem genética como fundamento para aprendizagem, pode
incorrer em situações de discriminação social, pois se entre os menos
favorecidos, os pobres e os marginalizados não há aprendizagem é porque possuem
má formação genética?
3. A Pedagogia Relacional e seu fundamento epistemológico
Esta pedagogia
não acredita que o aluno é uma mera tabula rasa, e o meio (a experiência)
imprime no sujeito o que ele deve aprender (empirismo), nem tampouco que
somente através de estruturas apriorísticas ou inatas, o sujeito assimile o que
seja conhecimento.
Para tanto,
postula que, desde quando somos recém-nascidos, começamos a agir assimilando
algo do mundo real, gerando inquietudes e perturbações, pois é um contato com o
novo. Portanto, somos obrigados a rever nossos instrumentos de assimilação
deste mundo novo, buscando assim o equilíbrio.
A partir desse
instante e conforme nos desenvolvemos, os instrumentos de assimilação e
cognição do sujeito vão se refinando, fazendo com que construamos conhecimentos
cada vez mais completos com conteúdo e forma.
Estas ações
permitem com que o indivíduo vá construindo uma relação de conhecimento do
mundo, através de uma bagagem hereditária que, por conta de uma interação com o
mundo externo, possibilita reconhecer-se como sujeito e a entender o que é o
mundo social ou exterior.
O professor
que assume tal postura não acredita em um ensino tradicional, baseado tão
somente no fator de transmissão de conhecimentos, nem tampouco que deixe a
aprendizagem em um sistema “laissez-faire”.
Acredita sim
que o aluno aja sobre algo que o professor tenha identificado como importante
para o sujeito e que ele “responda para
si mesmo às perturbações (acomodação) provocadas pela assimilação do material”.
(Becker, 2001)
Neste sentido,
tal pedagogia permite que o professor acredite que o construir é algo como um
sempre “vir-a-ser”, não possuindo estaticidade e que, na perspectiva de
possibilitar construção, poderá verificar e respeitar fases de desenvolvimento
de seus alunos e ação e retomada de conteúdos.
Levar-se-á em
conta o dinamismo da sala de aula, pois se enxergará de maneira crítica a
realidade social e de a possibilidade de se construir novos conhecimentos.
Nesta
empreitada, professor e aluno viram parceiros, superando assim práticas
autoritárias e dogmatismos curriculares, porque leva em conta a história de
desenvolvimento dos sujeitos, bem como o conhecimento construído e acumulado
pela História da Ciência.
As Contribuições do Construtivismo para o Ensino de Ciências
Ao analisar as
contribuições do Construtivismo para o Ensino de Ciências, perceberemos logo de
antemão um novo olhar.
Vemos nesse
referencial que, tanto o conhecimento como o sujeito, não são vistos como
estáticos ou acabados, como quer o Empirismo, onde só possui validade de
conhecimento aquilo que é impresso na mente do sujeito, por conta da realidade;
ou através do Apriorismo, corrente filosófica que postula que o indivíduo já
possui estruturas mentais aptas para alcançar conhecimento, basta tão somente
serem despertadas.
Adotar o
Construtivismo como prática pedagógica no Ensino de Ciências pressupõe compreender
os estágios de desenvolvimento cognitivo em que o sujeito se encontra. “Além
disso, reconhecer que a construção de conceitos e conhecimentos não se dá por
um mero “despejar’, nem tampouco deixar” o processo à solta”, mas o professor,
através de sua competência e autoridade, deve propor questões que levem seus
alunos a serem despertados para um conhecimento de uma realidade que os cerca e
através de um estabelecimento de uma interação, os interpretam e os constroem,
levando também em conta o que os próprios sujeitos conhecem deste objeto.
“Esta maneira de proceder exige
identificação prévia do grau de compreensão do aluno em relação ao objeto do
conhecimento; no caso, os conteúdos específicos”.(NARDI, 1989,16)
Esta
epistemologia permite identificar no sujeito a possibilidade de fazer leituras
da realidade, segundo esquemas de assimilação que o sujeito possui, ou seja, de
que o conhecimento não é tão somente uma leitura da realidade e sim uma
construção, observando em como se assimila esta própria realidade.
Ao se ter
contato com o novo, no caso com conteúdos, há certa perturbação, implicando que
este sujeito procure a construção de um entendimento, modificando o que
encontrou anteriormente, ou seja, de que nestas interações entre indivíduo e
meio se processa um mecanismo de recriação do real:
“O novo se constrói sempre a partir do já
adquirido e o transcende”. (AGUIAR, 2001)
Isso posto,
possibilita-se não somente rever os procedimentos metodológicos em sala de
aula, mas também a estruturação de um currículo que leve em conta as fases de
desenvolvimento da aprendizagem, quando o professor deve contar com elementos
que estimulem seus alunos, que permitam enxergar uma reciprocidade entre ambas
as partes na busca pelo entendimento e pelo respeito mútuo.
Também podemos
afirmar que, a partir destas relações, há um emergir de novos desafios, como,
por exemplo, integrar os conteúdos científicos à realidade de vida dos alunos,
a possibilidade de trabalhar conteúdos que tornem o indivíduo mais critico,
enxergando a Ciência não mais como dona de verdades absolutas e que ainda
desperte a cidadania, permitindo enxergar os fatores que estão implícitos no
conhecimento, além dos fundamentos próprios, como também as questões
ideológicas.
“Uma orientação radicalmente construtivista
é uma proposta que contempla uma participação ativa dos alunos na construção
dos conhecimentos e não uma simples reconstrução pessoal dos conhecimentos
proporcionados e elaborados, pelo professor ou um texto”. (GIL PÉREZ,1999).
Neste sentido,
o professor se comporta também como um grande estimulador, pois pode não
somente despertar em seus alunos a capacidade de reconstrução de conhecimentos, mas torná-los pesquisadores. A
partir do momento em que se sentem aptos em interagir com o meio reconstruindo
novos conhecimentos, caberá ao professor proporcionar-lhes próprios que tentem
ir além do que foi proposto, ou seja, de que podem extrapolar limites, ou
melhor, dizendo que procurem novas possibilidades de conhecimento também de
acordo com seus interesses. É o que se denomina de “Ensino por pesquisa” (Gil Pérez, 1999, p.507).
Então,
verificamos uma grande participação ativa do aluno em sua própria aprendizagem,
reconstruindo conhecimentos anteriores, no que se refere tanto a conteúdos,
quanto em relação ao meio que outrora lhe proporcionou possibilidades menos
abrangentes.
As posturas pedagógicas do professor presentes
no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula
Ao analisarmos
a relação professor-aluno na sala de aula no que se refere ao processo de
aprendizagem, observamos a presença das posturas pedagógicas descritas
anteriormente.
Abordaremos
aqui três eixos centrais, primeiramente apresentando duas posturas pedagógicas
muito presentes, a saber, a experiência e algumas derivações da mesma e o
apriorismo; para finalmente apontarmos uma alternativa, através de uma leitura
que permita compreender melhor o processo de ensino-aprendizagem: o
construtivismo.
a) A Experiência
A experiência
aparece de maneira muito presente de diversos modos e maneiras. Podemos como
exemplo inicial apontar o reforço da “imagem” do professor, reconhecido de uma
maneira equivocada como máxima autoridade, como um sujeito que domina conteúdos
e que, portanto para aprender, basta tão somente assimilar, decorar, realizar
atividades por ele determinadas, de uma maneira passiva e ainda tê-lo como
modelo a ser seguido, pois para se obter sucesso é necessário ser intelectual.
Esta visão,
caracterizada de maneira ingênua ou não, implicará em questões muito sérias,
pois proporciona diretamente de maneira ideológica uma aprendizagem passiva,
não contando com a construção de conhecimentos tanto por parte do professor e
muito menos pelos alunos, havendo tão somente memorização, reforçando assim uma
didática tradicional, relembrando as pedagogias tradicionais, entre as quais
podemos exemplificar através da Escola
Pitagórica: “Magister dixit!”(“O Mestre
disse, está dito!”).
Neste tipo de
pedagogia os alunos tão somente observam os dados apresentados, posteriormente
os escrevem e após os descrevem, sendo então levados a acreditar que estão
aprendendo, “tendendo a criar uma
impressão durável no espírito”.(AEBLI, 1978,8)
Os alunos a
partir dessa concepção somente recorrem a dados sensoriais de percepção e
observação.
São vistos
pelo professor como se fossem “tábulas rasas”, aos quais progressivamente vai
imprimindo as impressões fornecidas pelos sentidos.
Esta
pedagogia tradicional não apresenta os alunos como sujeitos no processo da
aprendizagem, havendo tão somente uma primazia do meio externo, da experiência.
“A corrente empirista explica o funcionamento
da inteligência por uma pressão que o meio exterior – físico ou social – exerce
sobre o organismo e que, paulatinamente, é gravada na mente ou no espírito do
sujeito, independente de sua atividade”.(BECKER, 1997,16)
Não se trata
aqui de desprezar a experiência nem de tampouco fundar críticas a quem toma tal
postura como prática pedagógica, mas em estabelecer uma discussão em como a
experiência exerce influência sobre o sujeito e como este registra e constrói
os dados por ela fornecidos.
Não há como
negar que a experiência possui papel importante nas fases de desenvolvimento
cognitivo do sujeito; pois, como começamos a entender como o mundo funciona,
senão primeiramente através de coisas visíveis e tangíveis?
Porém,
através do desenvolvimento biológico e intelectual do indivíduo, fica claro que
há certo descolamento desse mundo empírico, passando a um favorecimento da
organização de dados construídos quando da ocorrência da experiência.
Reforçamos a
tese de que o sujeito, ao adentrar o mundo da escola, especificamente, no
processo da aprendizagem, não deve receber um tratamento de passividade, em tão
somente assimilar conteúdos; mas, ao contrário, ser capaz de agir e
transformar.
Nota-se também
no processo de ensino-aprendizagem, que a experiência pode se apresentar de
outras formas, como por exemplo, estar vinculada à prática cotidiana, ao fazer,
o executar de acordo com o que se vive no dia-a-dia, havendo uma dicotomia
entre o diário e a parte teórica, muitas vezes sendo justificada esta prática,
com discursos do tipo: “Se ficar preso ao conteúdo, os alunos não entendem
nada. Melhor então, é lecionar de acordo com os seus assuntos de interesse”.
Não há aqui o
questionamento de conteúdos, suas contribuições, nem tampouco o construir por
parte dos alunos.
Outra forma a
ser retratada é a do conhecimento alinhavado como algo referente às
experiências de vida, um mero senso-comum, vivido em um plano sensorial, sem
reflexão sistemática, onde impera certa passividade e conformismo, do tipo:
“Sempre foi assim, para que mudar algo?”
Também está
presente, nesta pedagogia, o modo empirista no processo de ensino-aprendizagem,
revelando-se de maneira a permitir que, aprendendo algo externo ao sujeito,
conheceremos as coisas de uma maneira mais clara, sem eloqüências teóricas, nem
tampouco filosofias. Nada mais é do que perceber a realidade e descrevê-la como
esta funciona, sempre apostando em um acumular de conhecimentos adquiridos,
cabendo ao professor a incumbência de transmitir esses conhecimentos acumulados
e aos alunos o papel de receber.
b) O Apriorismo
Esta visão
radicaliza em relativizar a experiência, absolutizando o sujeito, ou seja, de
que este sujeito possui formas (“Gestalten”) de conhecer as coisas, sem
necessitar da presença do meio, como se este não possuísse qualquer influência
sobre este processo.
Em um
processo de ensino-aprendizagem, leva-se em conta reivindicar que o sujeito já
possui estruturas que o permitem elaborar conhecimento, bastando tão somente
que o professor “desperte” essas estruturas, estabelecendo certo estímulo na
busca pelo conhecer.
O aluno é
visto como que já nascesse com condições inatas para conhecê-lo e o construir,
no sentido de possuir ou não talentos. É como que se biologicamente já
existisse, vamos dizer assim, certa condição para o sucesso ou para o fracasso.
Nesta
postura poderemos ouvir frases do tipo:
“Possuo mais aptidão para as matérias exatas, do que para as humanas”, ou ainda “para ser desportista tem que ter
tendência pro esporte, tem que gostar daquilo”.(BECKER, 1993,92)
Cabe ao
professor a missão de levar o indivíduo a despertar essas potencialidades
inatas trazidas por uma bagagem hereditária, visto que não se levará em conta
as questões que permeiam uma discussão sobre o processo de ensino-aprendizagem,
referentes aos conteúdos, políticas de ensino, condições de trabalho etc., mas
sim, em descobrir quais são as aptidões que o aluno possui, para então
desenvolvê-las. E se este apresentar problemas de construção de conhecimento,
problemas trazidos de seu lar, o professor deverá estabelecer conversas com os
pais, ocasionar um desvio do foco de atenção em identificar quais são os reais
problemas enfrentados neste processo.
c) O Construtivismo
Mas como
“escapar” de certa prática do construtivismo que acaba forjando uma prática
conservadora e passiva?
Sabemos que
há muitos questionamentos, inclusive por parte dos próprios professores em
relação a essas abordagens, porém, também se percebe que, mesmo criticando
esses modelos, falta aos docentes um paradigma epistemológico que lhes
possibilite enxergar a si mesmo e a seus alunos, incluindo questões de fundamentação e apoio
pedagógico.
É preciso sair
desse senso-comum, até mesmo em enxergar a experiência com outros olhos:
... não é recepção; é antes, ação e construção
(estruturação) progressivas. O sujeito passivo do empirismo é substituído pelo
sujeito ativo cuja experiência pressupõe uma atividade organizadora ou
estruturante, de modo que a experiência é construída e não imprimida tal e qual
no espírito do sujeito3”..
Isto sugere um caminho didático para a formação de professores:
refletir, primeiramente, sobre a prática pedagógica da qual o docente é
sujeito. Apenas, então, apropriar-se de teoria capaz de desmontar a prática
conservadora e apontar para construções futuras. Em geral, a formação dos
professores segue o caminho (currículo) inverso: apropriar-se da teoria e, em
seguida, impô-la à prática através de receituários didáticos, independentemente
de sua pertinência a esta mesma prática4.
Essa prática
sugere criatividade em se estabelecer um melhor diálogo, não somente entre
professores e alunos, mas também entre os próprios professores e disciplinas,
ultrapassando visões errôneas de conhecimentos estanques, sem relacionamentos
com outras áreas do conhecimento.
Uma visão mais
construtivista de processo de ensino-aprendizagem pressupõe uma prática
pedagógica mais interdisciplinar, de multiplicação de conhecimentos, sem perder
a especificidade particular. Segundo o próprio Piaget:
...trata-se, em outras palavras, de estarem imbuídos os próprios
mestres de um espírito epistemológico bastante amplo a fim de que, sem tanto
para negligenciarem o campo de sua especialidade, possa o estudante perceber,
de forma continuada, as conexões com o conjunto do sistema das ciências. Ora,
tais homens atualmente são raros5.
No processo
de ensino-aprendizagem é preciso levar em conta que o sujeito possui certas
“Gestalten”, que são dadas de maneira biológica de início, mas que se
constituem em seu todo à medida que desenvolve ações próprias de construção
quando da experiência, ou seja, quando toma contato com o mundo empírico e aí é
chamado a organizá-lo, tornando-se assim um sujeito cultural e histórico, pois
leva em conta a sua história de desenvolvimento cognitivo e o processo de
construção do conhecimento científico.
Em uma
construção do conhecimento, baseada nesta visão, o indivíduo é encarado a todo
instante como um sujeito ativo, pois é chamado para uma ação, ou seja, num
tempo e num espaço; ação esta não somente para si mesmo, mas para todo o meio
que o cerca, quer seja, social, cultural, econômico etc.
Leva-se em
conta com isso que tanto a experiência quanto a razão possuem papéis de
interação, porque quando o sujeito toma contato com o meio, este lhe apresenta
valores, conhecimentos, e é através de sua ação de organizar este mundo,
através de esquemas de assimilação e de acomodação, que lhe serão
possibilidades de dar significado às
coisas.
Com o estabelecimento
desta pedagogia, o professor passa a ter chance de oportunizar possibilidades,
desenvolvendo nos alunos a capacidade de questionar, de levantar dúvidas. Com isso poderá refletir sobre suas próprias
bases teóricas, em como articular conhecimentos de uma maneira lógica, em saber
compreender como os seus alunos organizam e entendem o desenvolvido.
Nega-se por um lado, o saber absoluto atribuído ao
professor e o autoritarismo daí derivado; a pretensa incapacidade de o
professor influir no aluno e a inutilidade dos conhecimentos deste. Por outro
lado, nega-se a ignorância absoluta
atribuída ao aluno e a subserviência e a inanição que lhe são cobradas; o
autoritarismo do aluno e a pretensa insuficiência de seus instrumentos de
acesso ao conhecimento6.
Há assim um
verdadeiro resgate da autoridade do professor em ser reconhecido como alguém
que possui e domina um conhecimento sistematizado, mas que valoriza uma relação
construída.
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1
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2
Becker, Fernando. Modelos Pedagógicos e
Modelos Epistemológicos. In: Educação e construção do conhecimento. Porto
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3
Becker, Fernando. Da ação à operação. O
Caminho da Aprendizagem em J. Piaget e P. Freire. RJ: DPA Editora. 2ª Ed.,
1997, 61.
4
Becker, Fernando. A Epistemologia do
Professor. O Cotidiano da Escola. RJ: Editora Vozes, 1993, 332.
5 PIAGET, J. Para onde vai a Educação. UNESCO: RJ.
1976,25.
6
Becker, Fernando. A Epistemologia do
Professor. O Cotidiano da Escola. Editora Vozes, 1993,11.
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